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Oi pessoal 👋 ! Aprender sobre o Microsoft Excel é um ótimo ponto de entrada para quem quer entender mais sobre negócios de tecnologia. Não só estamos falando de um dos softwares mais bem sucedidos e importantes da história, como também de um com o qual a maioria de nós esta familiarizado. Espero que gostem!
Caso tenha apenas um minuto, segue o resumo de hoje:
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O software de planilha foi uma das primeiras grandes aplicações dos computadores pessoais. A Microsoft conseguiu a liderança desse mercado criando um produto muito melhor que o que existia até então
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+800 milhões de pessoas usam o Excel, além de 86% dos negócios do mundo
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O Excel é fácil de usar, simples, flexível e completo. Isso é a definição de qualidade para um software
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O software inspira boa parte das soluções de SaaS do mercado, que buscam desagregar o Excel
O Software Mais Influente do Mundo
Um colega uma vez me disse: “Papel aceita tudo, e planilha muito mais!”A lição era que projeções tendem a não considerar as restrições do mundo real. Essa frase também ilustra o poder de um dos softwares mais velhos que usamos e que empodera o mercado financeiro, as consultorias, escolas de negócios e escritórios no mundo inteiro. Estou falando do Microsoft Excel.
Steve Jobs dizia que os computadores são bicicletas para a mente. O Excel é uma prova dessa frase. Um software que democratizou o poder do cálculo computacional, antes reservado apenas aos engenheiros. De famílias que controlam seus gastos utilizando planilhas, até orçamentos de grandes projetos de infraestrutura, o Excel resolve problemas das mais diferentes áreas.
O Excel é um dos softwares mais influente da história. Isso se deve a:
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Escala
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Qualidade
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Inspiração
Antes de entrarmos em cada um destes pontos, vamos entender a sua história.
Primeiro logo do Excel
Interface Gráfica
O software de planilha foi uma das primeiras grandes aplicações dos computadores pessoais. Na década de 70, a maioria das casas não tinham computadores e o consenso era que não existia a necessidade para que isso mudasse. Uma das principais barreiras era a usabilidade. Era simplesmente difícil fazer qualquer coisa num computador. Por exemplo, para mover um arquivo de lugar, era preciso digitar o nome do comando, do arquivo a ser movido e do local de destino.
Isso mudou com uma evolução tecnológica chamada “Interface Gráfica do Usuário” (IGU), que nada mais é que do que uma forma de interagir com dispositivos digitais por meio de elementos gráficos, como janelas, menus, ícones, botões e links. A IGU é uma versão bonita de um código de programação, é a “tela” do programa e facilitou o uso para pessoas comuns. A Interface Gráfica também permitiu que uma planilha pudesse ser criada num computador.
O Excel não foi o primeiro software de planilhas. Esse título vai para a VisiCal (“Visible Calculator”) criada por um aluno de Harvard em 1978.
Outras empresas lançaram softwares de planilhas, mas nenhuma teve o sucesso da Lotus. Fundada em 1982, a empresa lançou o “Lotus 1-2-3”. No seu primeiro ano de operações, a empresa faturou US$53 milhões (US$172 milhões, corrigidos pela inflação) e fez seu IPO. No ano seguinte, a empresa triplicou seu faturamento para US$156 milhões, o que seria algo um pouco acima de US$500 milhões nos dias de hoje! Isso no segundo ano de operação.
Microsoft Entra na Briga
O primeiro software de planilha da empresa de Bill Gates foi o Multiplan. Não conhece? Pois é. O produto foi um tremendo fracasso e a Microsoft teve que recomeçar do zero. A segunda tentativa foi chamada de “Projeto Odisseia”. O objetivo era simples: criar uma planilha melhor que o Lotus 1-2-3 no PC.
A primeira grande diferença que o Projeto Odisseia tinha de qualquer outra iniciativa no setor era o seu lema: “Recalcular ou Morrer”.
A Microsoft conseguiu encontrar uma forma de calcular em duas dimensões, o que fazia que com que seu software conseguisse calcular mais rápido que o Lotus 1-2-3. Adicionamente ao invés de ter que recalcular toda uma planilha cada vez que uma célula mudava de valor, o Odisseia apenas recalculava a célula que tinha sido alterada e as que eram diretamente afetadas pela mesma. Isso deu uma enorme vantagem tanto em velocidade quanto em performance contra o Lotus 1-2-3. Foi assim que nasceu aquela experiência que todos os usuários de Excel estão acostumados: mudar o valor de uma célula e a planilha recalcular imediatamente.
Essa reatividade é muito importante, pois é um feedback imediato! Quanto mais feedbacks temos, mais rápido aprendemos como algo funciona. O fato do Excel ter essa característica, de fazer com que o usuário aprenda rapidamente, foi fundamental para a sua popularidade.
Como usamos Excel a tanto tempo, não nos damos muito conta disso, mas a maioria das linguagens de computador não são assim. Quando programamos e mudamos uma entrada, cada passo que depende dessa entrada precisa ser recalculado para refletir essa mudança. Ao ser reativo, o Excel permite interatividade. Você pode simular múltiplos cenários rapidamente, apertando apenas um botão.
A segunda diferença foi criar o software para o computador que tinha a melhor Interface Gráfica, o Mac. Mesmo sendo o principal fornecedor de software para PCs, a Microsoft decidiu colocar seu software de planilha num computador que competia com seus principais clientes. O objetivo era mostrar para o mundo o potencial do seu software, pois além de fazer planilhas, o Excel também fazia gráficos.
Em resumo, a Microsoft criou o melhor software de planilhas do mundo.
Primeira versão do Excel
O Odisseia foi lançado com o nome de “Excel” e rapidamente se tornou o software de planilha mais popular do Mac e depois do sistema operacional da Microsoft, o Windows. Com o vento a favor do Windows, ele se tornou o software de planilha mais popular do mundo já em 1991. 38 anos depois do seu lançamento, o Excel ainda é o software de planilha dominante, com mais de 80% de market share, sendo quase que um monopólio em certas indústrias, como no mercado financeiro.
1) Escala
É difícil imaginar um mundo sem o Excel. É provavelmente o software que causaria mais dor de cabeça nas pessoas se um dia acordássemos e ele tivesse deixado de existir.
Atualmente, mais de 1.2 bilhão de pessoas usam o Microsoft Office. Estima-se que mais de 800 milhões destas são usuários do Excel. 86% de todas as empresas utilizam Excel. Isso o coloca como a linguagem de programação mais popular do mundo. Sim, linguagem! Quando você faz uma fórmula, você pode não perceber, mas esta programando.
Qualquer comparação mostra o quanto o Excel é dominante. A segunda linguagem mais popular, o Javascript, tem 12.4 milhões de desenvolvedores. Já o Python tem 9 milhões.
A sua escala se retroalimenta a um forte Efeito de Rede (“Network Effect”). Pessoas trocam informações bilhões de vezes todos os dias. O fato do Excel ser o modelo de arquivo de planilhas padrão, faz com que mais pessoas queiram trabalhar com o software. A cada nova pessoa que começa a trabalhar com ele, o software se torna marginalmente mais valioso para todos os usuários. Isso ocorre pois agora tem mais uma pessoa falando a mesma linguagem que você para compartilhar informações.
Esse Efeito de Rede é fortalecido pelas integrações. Milhares de outros softwares, como os serviços de dados da Bloomberg, possuem integrações para você “puxar” informações de uma base de dados externa e tratá-las no Excel.
Planilha de Excel com o Plug-in da Bloomberg
Isso sem falar em sua importância cultural. De certa forma, o Excel é maior que o próprio pacote no qual é vendido. Colocar no currículo que você é “proficiente no Microsoft Office”, não chama atenção no currículo. No entanto, afirmar que você sabe usar o Excel, conhece todos os atalhos e pode usá-lo sem precisar do mouse, é algo que vai ser respeitado em qualquer escritório de banco ou fundo na Faria Lima.
2) Qualidade
O Excel é fácil de usar, simples, flexível e completo. Isso é a definição de qualidade para um software:
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Fácil: como mencionei anteriormente, o fato dele dar feedback imediato faz com que seu aprendizado aconteça mais rápido. Com mais usuários experientes, também temos também mais pessoas com quem aprender.
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Simples: no Excel, você escreve exatamente o cálculo que quer fazer, sem ter que saber exatamente como que este é feito. Analistas calculam no Excel a Taxa Interna de Retorno (TIR) de investimentos. Muitos não sabem calcular a TIR “na unha”, mas não precisam saber. Por outro lado, a maioria das linguagens computacionais exige que você seja mais descritivo.
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Flexível: você pode criar planilhas dos mais diferentes tipos, encadear múltiplas fórmulas, puxar dados de tudo quanto é lugar. A sua imaginação é o limite do que você pode fazer do ponto de vista de cálculos.
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Completo: O Excel é “Turing-Completo”, o que quer dizer que ela pode ser usada para qualquer ação computacional.
3) Inspiração
O Excel é o maior competidor da indústria de Software-as-a-Service. Num mundo pré-SaaS, quase todos os dados e análises eram feitos em Excel. Da gestão de projetos a contabilidade, passando por lista de potenciais clientes até a nossa lista de tarefas pessoais.
Nos últimos 15 anos estamos passando por um movimento de digitalização da economia, de forma que o volume de pessoas utilizando Excel para um caso específico cresceu tanto que criou um mercado grande o bastante para que uma nova empresa criasse um produto específico para este uso, de forma a desagregar o Excel. São negócios criados para substituir as planilhas. Se podem ser grandes? Sim, muito. Por exemplo, a Salesforce é focada em CRMs, um uso específico de planilhas de Excel. Seu valor de mercado é de US$213bi na data de lançamento desse artigo.
Faz sentido desagregar o Excel pois mesmo sendo relativamente fácil criar algo como um CRM nele, criar um CRM que te permita mandar emails ou fazer ligações foge ao que o Excel se propõe a fazer, de forma que abre espaço para uma solução mais focada.
Vários investidores de Tecnologia, como Tomasz Tunguz, já escreveram sobre esse tema, de forma que não é uma teoria particularmente nova.
O Excel também inspira novas empresas e produtos pelo seu produto em si. Um exemplo é a tendência dos últimos anos de softwares “No-Code” e “Low-Code” que são produtos que não necessitam de muito conhecimento de linguagem computacional para que um usuário consiga utilizá-lo e/ou customizá-lo. Essa filosofia de produto vai muito em linha com o que o Excel vem fazendo à décadas. A idéia de empoderar qualquer pessoa a criar algo que sirva às suas necessidades foi feita pela Microsoft na década de 80.
Por fim, existe toda uma economia de empresas e pessoas que vivem de ensinar pessoas a usarem o Excel, como Kat Norton, a “Sra.Excel”, que com mais de um milhão de seguidores nas mídias sociais, fatura mais de US$100 mil por dia ensinando alunos a usarem a ferramenta.
Kat Norton, a Sra.Excel
Ninguém é Perfeito
Apesar de todos os pontos levantados acima, o Excel também possui problemas:
Um estudo europeu estimou que 90% das planilhas possuem erros. Como elas são raramente testadas, estes erros permanecem escondidos. Um outro estudo calculou em cerca de 50% a quantidade de planilhas com erros graves e que são usadas ativamente por empresas. Isso não ocorre apenas com empresas pequenas. O Fidelity sofreu um erro contábil de US$2.6 bilhões por causa de um erro numa planilha em que um funcionário esqueceu de colocar um sinal de negativo.
As planilhas podem ficar complicadas de ler a medida que vão ganhando complexidade.
Num mundo de volume de dados cada vez maior, cálculos complexos e machine learning, o Excel se mostra cada mais limitado, especialmente no mundo da Inteligência Artificial.
Controle de versões é um problema.
Quando você abre uma planilha que já esta sendo usada por outro time a muito tempo, é muito difícil fazer o “onboarding”.
Por fim, existe algo que noto que é um problema cultural. Se você esta usando um ERP, e um output esta errado, é comum culparem o sistema. No caso de uma planilha de Excel, normalmente as pessoas culpam quem esta usando a planilha.
Concluindo
Desde o seu surgimento, o Excel passou pelo nascimento da Internet, do movimento de desktops para laptops, smartphones, nuvem e uma geração de empresas de SaaS cujo propósito é desagregá-lo. No entanto, ele continua mais relevante que nunca. Num mundo em constante transformação como o da Tecnologia, é incrível que uma ferramenta tenha durado tanto. Podemos extrair inúmeras lições, tanto de negócios, quanto design. Uma coisa que aprendi, é que tenho muito o que aprender e sobre a planilha que passo +50% do meu tempo olhando todos os dias.
Citação
A citação de hoje é de Charlie Munger: “Não lute com porcos. Os dois vão ficar muito sujos. O problema é que o porco vai gostar”.
Aqui complemento: tenha cuidado com quem você se associa. Você pode achar que sendo algo rápido, não tem problema. Você também pode sentir que não tem escolha na hora. Pode acreditar que consegue sair da relação a qualquer hora. No entanto, as coisas vão acabar muito sujas. Lembre-se que a m**** não vai sair facilmente.
Grande abraço,
Edu
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