O bsb é uma newsletter semanal sobre a arte e ciência de construir e investir em empresas de tecnologia. Para receber nossos e-mails, basta clicar abaixo:
Para ouvir a edição de hoje no Spotify, basta clicar AQUI
Oi pessoal! Nos anos 90, a Intel era a empresa mais importante do mundo. Atualmente, luta pela sobrevivência e relevância.
Na semana passada ela reportou prejuízos e queda nas receitas. O CEO anunciou a demissão de 15.000 funcionários. Além disso, seus chips mais avançados enfrentam problemas de produção e performance.
A Intel e a Nvidia ambas operam no setor de semicondutores. Há cinco anos, a Intel valia o dobro da Nvidia. Hoje, a Nvidia vale 28 vezes mais que a Intel. Só em 2024, a ação da Intel caiu 58%, enquanto as empresas de semicondutores como um todo se valorizaram 21%.
O que aconteceu? Quais lições podemos extrair dessa trajetória? E quais são os possíveis futuros da empresa?
Se tiver apenas um minuto, segue um resumo:
-
A Intel teve um passado glorioso e foi a empresa mais influente do Vale do Silício por décadas
-
Nos anos 2000 em diante, ela deixou de ser paranoica. Seus problemas foram auto infligidos, causados por arrogância e acomodação
-
Ela não aproveitou a onda de smartphone, gaming e data centers. Também não entendeu os méritos da desverticalização, com a separação entre design e fabricação
-
O futuro da empresa depende da ajuda do Governo Americano
A Trindade
A Intel (Integrated Electronics) foi fundada em 1968 por Robert Noyce e Gordon Moore, dois dos “Oito Traidores” que, anos antes, haviam criado a Fairchild Semiconductors. No mesmo dia da fundação, Andy Grove, que trabalhava na Fairchild, juntou-se como o primeiro funcionário. Eles formaram a trindade que guiou a companhia por três décadas. A empresa começou produzindo chips de memória e rapidamente estabeleceu uma reputação de produtos de alta qualidade. Os primeiros 15 anos foram de grande sucesso.
Andy Grove, Robert Noyce e Gordon Moore
No início dos anos 80, a rentabilidade dos chips de memória começou a diminuir devido à competição intensa. Moore e Grove decidiram realizar uma mudança radical na companhia. Eles simbolicamente pediram demissão e se recontrataram no mesmo dia.
A Intel deixaria de focar em chips de memória para direcionar suas energias à divisão de microprocessadores, que estava crescendo com o mercado de computadores pessoais (PC). Ao anunciar a decisão, enfrentaram reclamações de suas equipes. Aqueles que reclamaram muito foram demitidos imediatamente.
Essa mudança estratégica foi acertada e fez a Intel surfar a onda do mercado de PCs.
Só os Paranoicos Sobrevivem
Grove é uma lenda do Vale do Silício. Ele foi CEO da Intel até 1998 e é conhecido como “o homem que liderou a fase de crescimento do Vale do Silício”. Judeu de origem húngara, ele escapou da perseguição nazista na Segunda Guerra, utilizando documentos falsos e se refugiando na casa de amigos. Depois, fugiu do domínio soviético na Hungria e se mudou para os EUA. Essas experiências moldaram sua forma de pensar. Mesmo sem saber falar inglês, ele se formou em primeiro lugar na faculdade e depois fez um PhD na Universidade de Berkeley.
Andy Grove na capa da Revista Times como “Homem do Ano”
Grove provavelmente teve a maior influência na construção da Intel, do Vale do Silício e de tudo que pensamos hoje sobre o mundo da tecnologia.
Seu estilo de gestão virou referência. Ele era extremamente competitivo. Queria sempre a liderança nos mercados em que atuava. Fomentava uma cultura de debate e confronto de ideias, com estrutura horizontal, foco nos detalhes, disciplina e dedicação. Ele criou o modelo de OKRs e escreveu livros de gestão.
“O sucesso nos negócios contém a semente de sua própria destruição. O sucesso traz complacência. A complacência traz o fracasso. Apenas os paranoicos sobrevivem.” – Andy Grove
Como CEO, ele queria que a empresa experimentasse e se preparasse para mudanças, testando novas técnicas, métodos, produtos, canais de vendas e clientes.
Em particular, ele se preocupava com os “Pontos de Inflexão Estratégicos”. Estes são momentos cruciais numa indústria que exigem ações decisivas. A mudança do foco de chips de memória para microprocessadores foi um desses momentos.
O Auge
No final dos anos 80, beneficiada por ser a fornecedora de microprocessadores da IBM e de seus concorrentes, a Intel entrou em um período de dez anos de crescimento impressionante. Grove foi o arquiteto da parceria “Wintel” com a Microsoft. O objetivo era: “Todos os computadores pessoais com chips Intel rodando Microsoft Windows”.
Ambas as empresas investiram em marketing, solidificando suas marcas como indicadores de qualidade. A Intel era extremamente agressiva em suas táticas competitivas para defender sua posição de liderança.
Bill Gates e Andy Grove
Quando deixou o cargo de CEO, ele foi eleito o Homem do Ano pela revista Time pelo seu protagonismo na adoção dos computadores. Em 2005, ele deixou o cargo de Chairman da companhia.
Por que a Intel vem fracassando?
Com esta história gloriosa, é impressionante o contraste com a situação atual da empresa. A grande ironia é que sua liderança se esqueceu dos ensinamentos de Grove.
A Intel deixou de ser paranoica. Seus problemas foram auto infligidos, causados por arrogância e acomodação.
Vamos entender os três motivos que levaram a essa situação:
-
Não Aproveitou os Pontos de Inflexão Estratégicos
-
Abandonou seu DNA Inovador
-
Perdeu sua Excelência Operacional
1) Não Aproveitou os Pontos de Inflexão Estratégicos
Smartphones
Em 2005, a Apple procurou a Intel para fornecer chips para o primeiro iPhone. A Intel recusou, acreditando que os chips para celulares tinham uma margem de lucro baixa e que o mercado de smartphones não seria grande. Havia também a percepção de que smartphones eram produtos de segunda categoria e que os computadores eram mais importantes.
Todas essas premissas estavam erradas. A Apple escolheu a ARM, que dominou o mercado com chips mais eficientes em termos de energia, um aspecto importante para smartphones. Quando a Intel percebeu a importância desse mercado, já era tarde demais, e ela nunca conseguiu ser competitiva.
Atualmente, existem 7,2 bilhões de smartphones no mundo e apenas 1,8 bilhões de PCs. Além dos números, o mercado de smartphones é mais dinâmico do que o de computadores. Basta lembrar quantas vezes você trocou de celular nos últimos anos em comparação com quantas vezes trocou de computador.
Gaming
A Intel produz chips CPUs (Central Processing Units). Para uma melhor performance em jogos, é comum os consumidores utilizarem CPUs e GPUs (Graphic Processing Units). Estes chips melhoram a qualidade dos gráficos.
Melhoria do Gráfico de jogos pelos anos
A Intel negligenciou as GPUs, considerando-as um produto menos importante e um mercado marginal. Esse foi outro erro estratégico. No ano passado, a Nvidia vendeu US$9bi em GPUs para jogos, enquanto as vendas de CPUs da Intel para consumidores foram de US$30bi. Não é um mercado tão marginal assim.
Inteligência Artificial
A falta de foco da Intel em IA foi um dos piores erros estratégicos que contribuíram para a crise que a empresa enfrenta.
Nos últimos dois anos, Big Techs, startups e investidores começaram a investir pesadamente em IA para melhorar produtos e serviços, otimizar operações e desenvolver novas capacidades tecnológicas.
IA funciona melhor em chips GPUs do que em CPUs. Cínicos dizem que essa foi a “sorte da vida” para a Nvidia. Na verdade, desde 2012 já haviam estudos que indicavam que os GPUs eram mais adequados para IA.
Diferença entre CPUs e GPUs
Enquanto empresas como a Nvidia eram focadas em GPUs, a Intel foi lenta para reconhecer e investir nessa área. A Nvidia emergiu como a líder indiscutível em IA, com seu combo de hardware (GPU) e software (CUDA) tornando-se o padrão da tecnologia. Embora a Intel esteja fazendo esforços para recuperar o tempo perdido, a competição já está anos à frente e vem investindo mais recursos que ela.
Um Mercado Marginal
A Intel conseguiu perder todas as grandes ondas do mercado de chips. Sim, ela continua dominante no mercado de PCs, onde possui 80% de market share. O problema é que esse mercado está se tornando cada dia mais marginal (e de baixo crescimento) dentro da indústria de chips.
Atualmente, a Intel está marginalizada das grandes tendências tecnológicas, que atraem a maior quantidade de capital, talento e atenção, crescem mais rápido e de onde virão os grandes avanços. São áreas como carros autônomos, robótica, IA generativa, IoT, entre outras.
2) Abandonou suas Origens Inovadoras
Certas decisões carregam em si um simbolismo. No caso da Intel, em 2005, a empresa escolheu pela primeira vez um CEO que não tinha background técnico.
Havia uma suspeita que a Lei de Moore, que afirma que os chips dobram de capacidade a cada 18 meses, estava perto do seu limite físico. Sendo assim, era mais importante fortalecer a marca Intel do que melhorar os produtos.
Esse foi outro erro. A Lei de Moore não chegou ao seu limite. Os chips continuam a se desenvolver rapidamente. Esse novo foco em marketing fez com que a empresa não percebesse a grande mudança estrutural que o setor de chips estava passando: a desverticalização.
Gráfico da evolução da Lei de Moore
“Homens de Verdade Têm Fábricas”
A Intel faz tanto o design quanto a fabricação de chips. A fabricação de chips é uma das atividades industriais mais difíceis do mundo e era uma importante barreira de entrada. O clichê da indústria era: “Homens de verdade têm fábricas”.
Com o crescimento do mercado e o aumento da demanda por chips para múltiplos usos, o setor de semicondutores chegou a um ponto em que a especialização fazia sentido.
Desenhar e fabricar chips são duas das atividades de engenharia mais complexas da nossa sociedade. Se já é muito difícil fazer uma delas direito, imagine as duas?
O surgimento da TSMC, uma foundry focada na fabricação de chips baseados nos designs de terceiros, ajudou empresas como AMD, Qualcomm e Nvidia. A TSMC acelerou o desenvolvimento do setor de semicondutores como um todo. Os designers focavam em fazer chips melhores, enquanto a TSMC se concentrava em produzi-los de forma mais eficiente, espalhando seus custos de desenvolvimento de processos entre muitos clientes, tornando-se economicamente mais eficiente. Recomendo fortemente a leitura do artigo do bsb sobre a TSMC para dar mais contexto.
Indústria de semicondutores
Não só a Intel não estava aproveitando as ondas do setor de semicondutores, como seus competidores estavam operando de forma mais focada e com a vantagem da terceirização da produção. Era inevitável que os competidores passassem a Intel tanto no design, quanto na produção.
As consequências disso vieram de todos os lados. A empresa perdeu relevância no mercado de Data Centers, sendo atacada tanto pela AMD no segmento de CPUs e pela Nvidia em GPUs. A existência da TSMC ultrapassou a Intel. Por fim, empresas que não faziam designs de chips, como Apple e Google, entraram no mercado de chips. A Apple criou o M1 para seus próprios computadores, e o Google criou o TPU para data centers.
3) Perdeu sua Excelência Operacional
Até agora, comentamos sobre erros estratégicos. Em teoria, esses podem ser consertados com mudanças na liderança e direção da companhia.
O problema foi que a Intel também passou a operar de forma pior. Ela foi perdendo pessoas talentosas, mais interessadas em trabalhar nos concorrentes que estavam performando melhor. Sucesso atrai sucesso, e a Intel parecia ter perdido a fórmula para obtê-lo.
Incapacidade de Evoluir
As fábricas de semicondutores estão sempre tentando colocar mais componentes em menos espaço de chip. Isso é medido por uma métrica chamada de nó, medida em nanômetros (nm). Quanto menor o nó, melhor e mais difícil de ser obtido. Se uma fábrica consegue oferecer um nó de 7nm, ela é superior a uma que oferece um nó de 10nm.
A Intel sempre teve os menores nós. Isso foi verdade até 2016, ano em que a empresa planejava lançar seus processadores de 10nm. No entanto, ela teve uma série de problemas relacionados ao desenvolvimento e produção de seus processadores de 10nm, que só foram lançados em 2019. Quem tomou a liderança? TSMC. Como ela fez isso? Investindo mais e melhor que a Intel.
Volume de Investimentos da Intel vs TSMC
Não só a TSMC foi mais rápida, mas ela está duas gerações a frente. Em 2018, já conseguia fazer nós de 7nm. Depois, lançou o de 5nm. Isso foi um golpe do qual a Intel ainda não conseguiu se recuperar.
Como diria Warren Buffet: “Se você perder dinheiro para a nossa empresa, eu serei compreensivo. Se perder um pedacinho da nossa reputação, eu serei impiedoso”.
Um Possível Turnaround?
A Intel sabe que precisa mudar o rumo da companhia. A seu favor ela conta com um grande aliado, o Governo Americano:
1) Intel Foundry Services
O atual CEO, Pat Gelsinger, assumiu o cargo em 2021. De perfil técnico, uma das suas decisões mais importantes foi separar os negócios de design (Intel Products) do de fabricação de chips (Intel Foundry Services). Cada empresa deve operar de forma independente. O objetivo é tornar a Foundry uma fábrica que construa chips a Intel, mas também para terceiros, da mesma forma que a TSMC. Atualmente essa divisão praticamente só atende a Intel é menor que a TSMC. Lembrando que escala é importante importa nesse negócio.
A Intel, que é americana, tem a maioria das suas fábricas nos Estados Unidos. O Governo Americano esta cada dia mais preocupada com a falta de soberania do pais no tema de chips. Mesmo que as principais empresas de design de chips sejam americanas (Nvidia, AMD, Intel), a TSMC, que os fabrica, fica em Taiwan. O Governo Chinês pode a qualquer momento invadir a ilha, o que seria catastrófico para o desenvolvimento tecnológico dos países ocidentais.
Como resposta, além de reforçar seu apoio a Taiwan, o Governo Americano aprovou o Chips Act. Este é um programa de subsídios para a construção de fábricas nos EUA. A Intel garantiu US$20bi em dinheiro de graça e mais alguns bilhões da União Europeia, para que ela construa uma fábrica na Alemanha.
CEO da Intel e Presidente Americano
A meta da Intel em Foundry é ambiciosa em escala e pesquisa. Ela quer avançar “5 Nós em 4 Anos”, o que é muito agressivo.
2) Excelência Operacional
Gelsinger também está promovendo uma cultura de eficiência operacional. Isso envolve a reestruturação de processos internos, corte de custos e adoção de uma abordagem mais ágil para o desenvolvimento e lançamento de produtos.
Esse esforço inclui a demissão de 15.000 funcionários. A Intel também está expandindo suas parcerias estratégicas com outras empresas de tecnologia, buscando sinergias que possam acelerar o desenvolvimento de novas tecnologias. Mesmo atrasada, ela também está buscando evoluir na frente de IA.
A Nova Boeing?
Conversei com várias pessoas nas últimas semanas sobre a Intel. O consenso no mercado e na indústria é negativo. Alguns dizem que a empresa enfrenta um risco existencial. No entanto, (poucas) vozes mais otimistas trazem uma perspectiva diferente, baseada na tese de Soberania Nacional.
Como a única empresa americana que possui capacidade fabril de chips de última geração, a Intel é um ativo estratégico para a economia mais poderosa do mundo. Os Estados Unidos estariam dispostos, portanto, a ajudá-la a se manter competitiva e sobreviver. A Intel do futuro seria então uma empresa mais parecida com a Boeing do que com a Microsoft.
Se a ajuda do Governo será suficiente, apenas o tempo dirá. Os fatos hoje apontam para um futuro difícil. A Intel precisará ser muito paranoica para conseguir prosperar. Uma pena, pois o legado de Noyce, Moore e Grove merece ser mantido.
Artigos do bsb Complementares para a Leitura
Grande abraço
Edu
DISCLAIMER: essa newsletter não é recomendação de investimentos. Seu propósito é puramente de entretenimento e não constitui aconselhamento financeiro ou solicitação para comprar ou vender qualquer ativo. Faça a sua própria pesquisa. Todas as opiniões e visões são pessoais do próprio autor e não constituem a visão institucional de nenhuma empresa da qual ele seja sócio, colaborador ou investidor.