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Oi, pessoal! Existem muitos artigos que ensinam como criar um produto, algo que Peter Thiel chama de “ir do 0 ao 1”. No entanto, são poucos os que mostram exemplos de empresas que consertaram produtos problemáticos. Usando a mesma analogia, seria como ir do “-1 para 1”. Hoje vou abordar um desses casos: o LinkedIn. Apesar de seu sucesso — atualmente com mais de 1 bilhão de usuários cadastrados — a plataforma tinha uma falha: o seu feed.
Parte essencial da experiência, o feed era dominado por mensagens autopromocionais e textos cafonas. Era tão ruim que existiam grupos dedicados a documentar mensagens ridículas, como a The State of LinkedIn (com 301 mil seguidores) e o LinkedIn Flex . Nos últimos anos, porém, o feed do LinkedIn se tornou mais relevante, com conteúdo de qualidade e útil para os usuários. Como a empresa conseguiu isso? Leia a seguir!
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O LinkedIn foi criado com a ambição de ser uma plataforma onde fosse possível encontrar e contatar as pessoas de que precisamos, através de conexões que já temos
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Dado o seu modelo de negócios, que cobra dos RHs e profissionais de recrutamento, o comportamento dos usuários era focado em auto-promoção e auto-ajuda
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A equipe de produto passou anos alterando o processo algoritmo do feed para que conteúdos com maior profundidade e qualidade fossem privilegiados
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O feed do LinkedIn hoje esta muito melhor, possibilitando que empreendedores consigam atrair novos clientes para suas empresas através de conteúdo sobre os assuntos nos quais são experts
Reid Hoffman
Com graduação em Stanford e mestrado em Oxford, Reid Hoffman inicialmente desejava seguir a carreira acadêmica. No entanto, foi no setor de tecnologia que ele viu a oportunidade de testar algumas das ideias que teorizava na universidade.
Sua experiência mais marcante foi na PayPal, onde atuou como Chief Operating Officer. Foi na empresa de pagamentos que ele aprendeu sobre o processo de construir uma startup de crescimento acelerado. A PayPal se beneficiava do “Efeito de Rede” (Network Effect), em que cada novo cliente tornava o serviço mais vantajoso para os usuários já existentes.
O Efeito de Rede é uma barreira de entrada poderosa. Por exemplo, das três principais empresas de tecnologia da América Latina, duas são baseadas nesse efeito (Mercado Livre e iFood).
Hoffman teorizava que “a capacidade de criar redes de pessoas com interesses em comum era o grande poder da Internet”. Sendo assim, empresas que criassem redes seriam ótimos negócios.
Após a venda do PayPal para o eBay, Hoffman teve uma ideia: criar uma rede com foco no mercado profissional. Na época, redes sociais como Orkut e Facebook estavam crescendo em popularidade, mas nenhuma delas era voltada para o aspecto profissional.
Chamado de LinkedIn, o objetivo da empresa era resolver a dificuldade que os profissionais tinham em se conectar e transacionar no ambiente digital. Antes do LinkedIn, as únicas formas de contratar profissionais e prestadores de serviços eram por meio de páginas amarelas, diretórios ou bancos de currículos.
Primeira página do power point do LinkedIn
A visão era ambiciosa:
“Criar uma plataforma onde seja possível encontrar e contatar as pessoas de que precisamos, através de conexões que já temos, gerando oportunidades econômicas”.
O power point que Hoffman usou para uma das rodadas de investimento virou uma referência. Você pode vê-lo aqui.
Estratégia de Crescimento
Hoffman possuía uma vantagem: ele era uma das poucas pessoas com experiência na construção de uma rede e de uma startup de sucesso, graças ao tempo que passou na PayPal.
Para expandir o LinkedIn, ele implementou uma estratégia de guerrilha. Primeiro, atraiu a comunidade do Vale do Silício. Depois, avançoi sobre o mercado financeiro de NY. Esses dois grupos prezam pelo networking e são influentes o suficiente para atrair outras profissões. Em seguida, vieram os profissionais de mídia, consultoria e outros.
O LinkedIn também usou vários “growth hacks”. Por exemplo, com um clique, um novo usuário podia convidar centenas de contatos via e-mail, o que, apesar de polêmico, trouxe ótimos resultados. Em pouco tempo, o LinkedIn tornou-se a principal rede para networking profissional.
Monetização
Diferentemente de redes como o Facebook, que enfrentaram dificuldades para monetizar no início, o LinkedIn gerava receita desde os primeiros dias, cobrando de recrutadores e empresas que usavam a rede para encontrar talentos.
Aquisição pela Microsoft
Oito anos após sua fundação, em 2011, o LinkedIn fez seu IPO. Seu crescimento acelerado chamou a atenção dos investidores: a empresa dobrou suas receitas em 2010 e 2011 e cresceu 86% em 2012. Durante o período em que foi listada, seu crescimento médio anual foi de 66%.
Em 2016, com mais de 400 milhões de usuários e faturamento de US$3.7Bi, a Microsoft adquiriu a companhia por US$26Bi.
Jeff Wiener, CEO do LinkedIn, Satya Nadella e Reid Hoffman
Hoffman, agora bilionário com a venda da empresa, tornou-se um dos principais gurus do Vale. Ele virou sócio da Greylock Partners, assumiu posições em conselhos de administração, como o da própria Microsoft, escreveu livros e criou um podcast de sucesso, o Masters of Scale.
A Rede Social Cafona?
Em seu livro A Representação do Eu na Vida Cotidiana, o sociólogo canadense Erving Goffman afirma que cada pessoa passa pela vida usando várias “máscaras”, como um ator em uma peça de teatro. Essas máscaras traduzem diferentes personalidades: somos uma pessoa no trabalho, outra em casa e uma terceira no happy hour. Usamos essas máscaras tanto para impressionar quanto para evitar constrangimentos diante de diferentes públicos.
O Dolly Parton Challenge foi uma brincadeira online em que as pessoas colocavam fotos próprias que utilizariam em cada uma das redes sociais.
No caso do LinkedIn, nosso perfil é como nosso currículo — nossa “máscara profissional”. E como escrevemos nossos currículos? De forma sem graça, cheia de palavras de efeito, inofensiva, concisa, com um toque de exagero (quem nunca?). Com um viés de autopromoção (mas sem exagerar demais). O desejo íntimo por trás de nossos currículos é sempre o mesmo: queremos desesperadamente impressionar.
Após criar o perfil, nossa mente já fica ancorada nesse tom. No LinkedIn, nossas declarações passam por um filtro cuidadoso. O que divulgamos não só nos representa, mas também pode ser associado a nossos empregadores. O risco é maior. Diferentemente do Instagram, onde podemos limitar quem vê nossas postagens, no LinkedIn os perfis são públicos.
RH: Rei do LinkedIn
Em todas as redes sociais, certos perfis têm mais prestígio. No Instagram, são os influencers; no Twitter, jornalistas e empreendedores. No caso do LinkedIn, o prestígio está com os profissionais de RH, principais clientes da plataforma.
A consequência dessa estrutura social, em que o RH ocupa posição central, é que boa parte da comunidade engaja com foco nesse grupo. E qual é a “personalidade ideal” que o RH busca? Um profissional entusiasta, que “veste a camisa”, incansavelmente positivo e comprometido em compartilhar o lado mais inspirador de sua carreira. No LinkedIn, somos todos vencedores. Para quem busca emprego, isso faz sentido, mas o efeito colateral é que, para muitos, o feed do LinkedIn se tornou sinônimo de cafonice.
Ao abrir o feed, víamos postagens de autopromoção, histórias emocionantes recheadas de jargões motivacionais e glorificações do trabalho a qualquer custo. Um excelente exemplo é o post abaixo, pura autopromoção.
Exemplo de post autopromocional
Com isso, os usuários passaram a ver o LinkedIn não como um local para trocas genuínas e autênticas, mas sim um palco para tentativas de autopromoção e validação social.
Algoritmo
Em 2017, o site foi reconstruído, colocando o feed como peça central. Isso deixou o problema ainda mais escancarado. Nesse novo design, o espaço para conteúdo foi ampliado. Em paralelo, a empresa buscou atrair líderes do mundo empresarial, como Bill Gates e Richard Branson, para publicar na rede.
O algoritmo priorizava postagens que geravam interações rápidas e visíveis em grande volume. Conteúdos com histórias emocionantes ou frases inspiracionais ganhavam mais visibilidade, pois são mais propensos a gerar reações instantâneas. Posts com declarações inspiradoras e cases de sucesso atraíam muitos comentários e curtidas, alimentando o ciclo de viralização.
E quem perdia com isso? Aqueles que produziam conteúdos mais profundos e técnicos, que poderiam enriquecer o debate profissional. O importante era viralizar.
Turnaround
Coube ao Chief Product Officer da empresa, Tomer Cohen, liderar uma série de mudanças para transformar o feed em algo que agregasse mais valor para os usuários. Ele começou com um diagnóstico da situação:
O LinkedIn foi a primeira rede social a ter um feed. O problema é que ele foi criado para ser um “feed de atividades”, focado em mostrar atualizações de rede, como trocas de emprego e novas conexões. Com o tempo, a empresa percebeu que os usuários queriam aparecer mais no feed, transformando-o em um espaço de autopromoção, o que diminuía a missão original de ser uma plataforma para criar oportunidades econômicas. Embora eficiente em recrutamento — atualmente ocorrem sete contratações por minuto na plataforma — o LinkedIn poderia ser muito mais.
Por que demoraram tanto para perceber isso? Porque o feed não tinha um responsável específico; nenhum gestor de produto ou equipe cuidava exclusivamente do feed.
Após o diagnóstico, Cohen era hora de resolver o problema. Sua equipe implementou o seguinte plano de ação:
1) Grupo de teste
Cohen sabia que mudanças drásticas poderiam alienar usuários acostumados ao modelo antigo. Por isso, selecionou um grupo aleatório de dois milhões de usuários, menos de 1% da base total do LinkedIn, para testar novas versões do feed.
2) Um dono, com uma meta, medido por uma única métrica
Cohen assumiu o papel de gestor de produtos do feed e definiu um novo “norte”. O objetivo passou a ser conectar as pessoas com conteúdo de valor, promovendo interações que contribuíssem para construir uma reputação profissional sólida.
Em uma frase: “O feed precisa garantir que as pessoas certas vejam o conteúdo certo”. A métrica de sucesso do feed deixaria de ser engajamento bruto e passaria a priorizar a qualidade das interações, sem comprometer o nível de engajamento.
3) Modo Criador
O LinkedIn lançou o “Creator Mode”, uma configuração que permite aos usuários se posicionarem como criadores de conteúdo, atraindo seguidores em vez de conexões tradicionais. Ao introduzir ferramentas e dados analíticos sobre engajamento, o LinkedIn ajudou esses criadores a aprimorarem suas postagens, focando em temas relevantes para o público.
Paralelamente, a empresa expandiu sua seção editorial, com uma equipe de jornalistas para criar e curar conteúdo relevante.
Perfil no modo Creator Mode
4) Uso de Inteligência Artificial
Cohen também adotou soluções de IA para sugerir conteúdos com potencial de gerar engajamento de alto valor. Quando apresentados a conteúdos mais profundos e menos apelativos, o engajamento não diminuía; na verdade, aumentava. Em poucos meses, o grupo de teste mostrou um comportamento mais focado em aprender e interagir com conteúdos relevantes, enquanto as postagens inspiracionais e de autopromoção diminuíram. Esse sucesso gradual incentivou o LinkedIn a expandir as mudanças para toda a rede.
O Novo LinkedIn
O feed passou a valorizar postagens técnicas, artigos sobre tendências da indústria e conteúdos educativos. Isso resgatou o propósito original do LinkedIn como um espaço de networking profissional.
O novo modelo favorece interações dentro da rede direta de cada usuário, priorizando postagens de colegas e profissionais conhecidos em vez de influenciadores distantes. Conteúdos que incentivam tempo de leitura ou reflexão têm maior visibilidade. Não que a rede não tenha ainda os posts auto-promocionais, como essa usuária nos lembra:
Executiva relatando que ela não cancelou uma ligação mesmo no meio de um ataque de mísseis a sua cidade.
Abraçando o Humor
Uma mudança inesperada foi o surgimento de um “humor corporativo” bem recebido pelos usuários. Postagens satíricas e engraçadas, como o famoso “chicken coffee pot” — uma piada sobre cozinhar frango em uma cafeteira de hotel — ganharam atenção e mostraram que havia espaço para humor na plataforma, desde que fosse relacionado ao ambiente de trabalho.
Essa leveza ajudou a suavizar o tom excessivamente sério e incentivou os usuários a se engajarem de forma mais descontraída, fortalecendo o lado humano da rede. O humor se mostrou uma excelente ferramenta de autenticidade.
E eu não poderia deixar de mencionar o melhor post de todos os tempos, do Ryan Salame que literalmente anunciou na rede que estava começando na posição de presidiário, depois de ter sido preso como um dos executivos da FTX.
Expandindo o Mercado
O novo feed se tornou a plataforma perfeita para uma nova modalidade de marketing, o “Founder-led”. Nessa estratégia, o fundador e CEO de uma empresa tem uma presença forte nas mídias sociais, transformando sua marca pessoal em uma ferramenta de marketing para vender seus produtos e serviços.
Se você é uma marca para o consumidor, como a Disney, plataformas como o Instagram ou TikTok são ótimas opções para apresentar suas novidades. Mas, se você é CEO de uma empresa de software B2B, o lugar certo é o LinkedIn!
Com 21 anos de existência, o LinkedIn está mais relevante do que nunca, ajudando a construir oportunidades econômicas muito além de contratações.
PS: Se você gostou do texto, me siga…no LinkedIn!
Grande abraço,
Edu
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