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Se você tem apenas um minuto, aqui está um resumo sobre a SpaceX :
- A humanidade é fascinada pelo espaço há séculos, mas a economia espacial se desenvolveu de fato como parte dos esforços de defesa
- A SpaceX com seu foco em inovação e eficiência conseguiu disruptar o modelo de cost-plus utilizado por empresas como Boeing
- Novas políticas de suprimentos da NASA foram fundamentais para o sucesso da companhia
- A SpaceX hoje possui o negócio de lançamento de foguetes e o Starlink, uma grande aposta da empresa
- Propriedade Intelectual única, Escala, Verticalização, Talento e Elon Musk são alguns dos diferenciais da empresa
Primeiro um disclaimer: eu fui diretor do Capricorn, um fundo que é investidor da SpaceX. Quando voltei ao Brasil, eu e um colega de Stanford fizemos um pequeno veículo para investir na companhia. O texto abaixo deriva do meu conhecimento dela, mas não inclui informações sensíveis ou confidenciais.
A Space Exploration Technologies (“SpaceX”) é uma empresa criada pela visão de Elon Musk para a humanidade se tornar uma espécie multi-planetária. Foi fundada em 2002 focada em uma nova forma de desenhar e construir foguetes. A razão disso é que a principal barreira para aumentar o acesso ao espaço é o alto custo do lançamento. Ela endereçou esse problema de diferentes formas, incluindo foguetes reutilizáveis. Hoje a empresa possui duas linhas de negócio: (i) lançamento de carga ao espaço e (ii) Starlink, seu sistema de internet global de alta velocidade oferecido via satélite.
Espaço, a Fronteira Final
Fazem séculos que a a humanidade é obcecada pelas estrelas. Em setembro de 1962, o presidente americano John F. Kennedy anunciou a meta que os Estados Unidos enviariam pessoas para a Lua até o final da década. É um dos melhores discursos da história:
“Nós embarcamos neste novo desafio pois existe conhecimento a ser obtido e novos direitos a serem conquistados e estes devem ser conquistados e utilizados para o progresso de todas as pessoas. Mas por que a Lua? Por que escolher esse objetivo? Por que escalar a montanha mais alta? 35 anos atrás perguntaram por que voar pelo Atlântico? Nós escolhemos ir para a Lua ainda nesta década e fazer outras coisas, não porque elas são fáceis, mas porque elas são difíceis. Nós acreditamos que este objetivo serve para organizar e medir o que há de melhor nas nossas energias e habilidades, porque este desafio é um que estamos dispostos a aceitar, um que não estamos dispostos a adiar e um em que pretendemos vencer, assim como outros também”.
John F. Kennedy, 35* Presidente Americano
Apesar do discurso inspirador, deixa eu trazer a indústria espacial para a realidade. Analisando historicamente, a inovação no espaço está ancorada em gastos governamentais com defesa. Iniciada na Segunda Guerra, a tecnologia de foguetes nasceu com o propósito de criar misseis intercontinentais que poderiam garantir a capacidade de destruição mutua. Durante a década de 60 a NASA chegou a ser 5% do orçamento do governo americano (hoje é menos de 0.5%) e uma boa parte destes recursos foi para pesquisas e desenvolvimentos que beneficiaram o departamento de defesa. Depois que os Estados Unidos ganharam a corrida espacial com a Apollo 11, a pressão orçamentária aumentou e o espaço perdeu a prioridade.
Os motivos para investir no acesso ao espaço são, de forma simples, três. Um de curto, outro médio e o último de longo prazo:
- Defesa, como explicado anteriormente
- Desenvolvimento de novas tecnologias derivado do esforço coordenado de avanços em múltiplas frentes. Por exemplo, tecnologias como previsão do tempo, teflon e GPS foram todas criadas originalmente para a economia espacial
- Ao se tornar uma sociedade multi-planetaria, a humanidade diminui drasticamente o risco de extinção
A Indústria Espacial
De acordo com a Bryce Tech, a economia espacial é estimada em c.US$400 bilhões de dólares, com expectativa de crescer em torno de 10% ao ano pela próxima década, isso sem assumir qualquer tipo de inovação tecnológica disruptiva que possa acelerar a demanda. Os principais componentes dessa indústria são:
- Satélites & Equipamento: isso inclui desde fabricação até serviços prestados pelo equipamento em orbita, como telecomunicação, rastreamento e segurança nacional.
- Orçamento Governamental para agências espaciais
- Lançamento de cargas ao espaço
Como mencionei, a indústria espacial sempre esteve muito ligada aos esforços de defesa nacional. Isso fez com que as principais fornecedoras de serviços e equipamentos de defesa também fossem as líderes na indústria espacial. Estamos falando de empresas como Boeing, Lockheed Martin, dentre outras. O produto era criado para o governo, principal cliente. Se a iniciativa privada quisesse, que comprasse o que o governo queria.
Isso fez com que o modus operandi também fosse transferido. Aqui temos um ponto importante, que é a forma como o produto é cobrado. Historicamente a indústria de defesa americana funciona com um modelo de “cost-plus”, em que o fornecedor cobra um preço baseado no custo acrescido de uma margem pré-acordada entre as partes. Esse modelo tem uma falha, o desalinhamento de interesses. Enquanto o governo quer pagar o mínimo possível, o fornecedor ganha mais à medida que o contrato fica maior e não tem incentivo para ser mais eficiente, afinal a sua margem esta travada por contrato. Além disso, o número de fornecedores credenciados para fazer ofertas aos contratos do governo ficou tão baixo que as poucas empresas passaram remanescentes se organizaram em associações para diluir custos fixos. Não vou chama-las de cartel pois não quero ser processado, mas essa dinâmica não era saudável para a indústria. No caso dos serviços para exploração espacial, em 2006 a Boeing e Lockheed se uniram para criar a United Launch Alliance, que passou a deter o monopólio de foguetes.
Entramos no século XXI com uma indústria espacial com pouco incentivo a inovação e eficiência. Devido aos preços altos para lançar carga no espaço, a demanda era restrita, o que inviabilizava seu crescimento. Com baixo crescimento, poucos investidores e empreendedores estavam dispostos a criar empresas no setor.
Isso mudou devido a dois movimentos. O primeiro foi o surgimento de novas empresas no setor e o segundo foi uma profunda mudança na politica do governo americano em relação a politica de fornecedores.
SpaceX
Elon Musk fundou a SpaceX em 2002. Eu recomendo o episódio do Acquired sobre a história da companhia. Acho inevitável que um dia ela se torne um filme. Utilizando o capital de suas duas primeiras empresas, a Zip2 e PayPal, Musk começou com a ideia de atrair a atenção do público de volta para o espaço fazendo uma jogada de marketing em que ele enviaria algo para Marte. Primeiro ele tentou comprar foguetes russos, mas depois chegou a conclusão que ele e seus sócios poderiam construir foguetes eles mesmos.
Musk tem um histórico de desafiar o status quo pensando em termos de primeiros princípios. Isso quer dizer que ele procura entender a razão pela qual as coisas são feitas, questionando dogmas. Conclusões como “mas sempre foi feito assim”, “é o padrão da indústria” para ele são péssimos motivos e as primeiras coisas que precisam ser mudadas. Pouco tempo depois de montar a SpaceX, ele trouxe Gwynne Shotwell, uma engenheira com anos de experiência lidando com o governo americano como cliente. Shotwell tem o crédito de ter transformado o que era um sonho em um negócio com clientes, fornecedores, produtos e etc. Atualmente ela é a Presidente da SpaceX.
Uma Ajuda do Governo
O foco da SpaceX era desenvolver um foguete que pudesse levar cargas ao espaço a uma fração do custo que as alternativas. Com menor custo, poderiam expandir o mercado potencial. Isso implicava repensar o design, materiais, cadeia de fornecimento e praticamente todos os aspectos de um foguete e das capsulas para transporte de carga.
A empresa passou por uma série de dificuldades financeiras. Por vários anos não tinha um produto, dado que o ciclo de desenvolvimento é longo. Em certo momento a SpaceX estava a semanas de ir a falência, com Elon Musk se preparando para vender a empresa ao Google.
Em 2006 a NASA, frustrada com seus fornecedores e o alto custo do modelo cost-plus decidiu criar um programa para o desenvolvimento de alternativas para transporte de carga para a Estação Espacial Internacional (EEI). A SpaceX foi uma das duas empresas que ganhou este programa, chamado Commercial Orbital Transportation Services (COTS) e recebeu c.US$400 milhões para o desenvolvimento do Falcon 9. A própria NASA fez uma análise que se ela tivesse desenvolvido sozinha este novo foguete, teria custado mais de c.US$1.4 bilhões.
Esse programa era a primeira parte de uma mudança profunda na sua estratégia de suprimentos. Na época do programa Apollo e Ônibus espacial, a NASA era responsável pelo projeto inteiro do foguete e nave espacial. Eles contratavam fornecedores para cada um dos componentes, no modelo cost-plus. A NASA era a gestora do projeto. Depois de entregue o foguete, ela era a operadora. O custo deste modelo estava ficando impraticável.
Em 2008 ela criou o “Commercial Resupply Services”. Ao invés de gestora, a NASA seria apenas cliente. Os contratos passariam a ser focados na missão final. No lugar de mil licitações para componentes de um foguete, haveria apenas uma, com escopo bem definido, “entregar uma carga de X kg para a EEI”. O modelo de cost-plus foi abandonado e a empresa que pudesse fazer isso atendendo aos requisitos da NASA da forma mais barata possível, seria a vencedora. A SpaceX passou a ser a principal fornecedora da NASA, utilizando o Falcon 9 desenvolvido com o dinheiro de Musk, investidores de venture capital e o do programa COTS. Com um produto superior e mais barato e um grande cliente na NASA com contratos bilionários, a SpaceX entrou numa trajetória de crescimento na qual se encontra até hoje. O Falcon 9 passou a ser utilizado para satélites privados e a empresa conseguiu trazer uma enorme eficiência ao setor, como o gráfico abaixo nos mostra:
Aqui vale ressaltar o que uma boa política pública por parte de funcionários de carreira e também de indicados políticos pode fazer para um setor inteiro e por consequência para um pais.
Modelo de Negócios
A SpaceX possui duas linhas de negócio:
1) Lançamento: sua espinha dorsal. Ela envia satélites ao espaço, cargas e pessoas para a EEI. Seus contratos são com empresas privadas e governos. A empresa constrói o foguete, prepara o lançamento, encaixa a carga e a entrega na orbita certa no espaço. Este serviço é feito com o Falcon 9, um foguete reutilizável de duas etapas. O fato dele ser reutilizável diminui o custo drasticamente. Como Musk disse “Imagine se depois da primeira viagem de um avião entre os EUA e a Europa você jogasse o avião fora? Quanto custaria uma passagem?”. O Falcon 9 já fez 206 voos e 141 voos de reutilização. Além do Falcon 9, possui o Falcon Heavy, uma combinação de três Falcon 9. A SpaceX esta atualmente desenvolvendo o Starship, a maior foguete já desenvolvido e sua alternativa para levar humanos até a Lua e Marte. O objetivo é que o custo de carga do Starship seja apenas 20% do custo do Falcon 9. Além disso, a SpaceX possui o Dragon, uma nave para levar carga e pessoas. Desde Maio/2020, quando enviou seus primeiros passageiros para a EEI, a SpaceX já levou 22 pessoas ao espaço, mais do que o programa espacial chinês.
2) Starlink: a medida que a empresa continuou a ganhar eficiência e diminuir o custo de enviar cargos ao espaço, ela passou a buscar novas formas de monetizar suas capacidades. Em 2020 lançou o Starlink, uma constelação de microssatélites de baixa orbita que oferece internet de alta velocidade e baixa latência para o mundo todo. Seu mercado alvo são regiões rurais e remotas. A empresa já possui mais de 2.200 satélites e esta disponível em mais de 30 países. Espera-se que uma boa parte do valor futuro da SpaceX venha desta linha de negócios devido a sua recorrência e por ser um mercado potencial maior, em torno de US$400 bilhões globalmente.
Quais os riscos?
Eu não seria intelectualmente honesto se não incluísse aqui os riscos que operar um negócio de foguetes traz. Ao concentrar no governo, a SpaceX esta sujeita a mudanças de política. Elon Musk é essencial para o sucesso da empresa, óbvio key-man risk. Existem riscos geopolíticos também. O Starlink é um negócio novo e é essencial para sustentar a companhia em seu futuro. A empresa pode gastar seu capital em projetos de baixo potencial e quem sabe não existe alguma inovação que os competidores tragam e a deixe para trás. Tem riscos? Muitos, mas sou muito otimista com o futuro da companhia, assim como os diversos investidores que fizeram seu valuation chegar a US$137 bilhões.
Diferenciais e Barreiras de Entrada
Analisando pela perspectiva de um investidor, existem vários elementos que fazem da SpaceX uma empresa interessante:
Propriedade Intelectual única: A SpaceX possui um conjunto de tecnologias que se em conjunto fazem delas única. Ela é a única empresa com um foguete reutilizável. Vejam esse vídeo e me digam se isso não parece coisa de ficção cientifica? Tecnologia própria que leva a custos 10x menores faz da SpaceX uma espécie de monopólio no transporte de cargas ao espaço.
Escala: por ser uma empresa com backlog grande de lançamentos, ela consegue a cada novo foguete melhorar sua tecnologia e diluir seu custo fixo.
Verticalização: a empresa fabrica boa parte do foguete ela mesma. Isso traz benefícios de coordenação e ainda mais ganhos de escala.
Talento: poucas empresas tem uma missão mais sexy e grandiosas que a SpaceX. Isso atrai os melhores talentos do mundo inteiro que querem trabalhar na fronteira do que é possível na tecnologia espacial. É gente boa atraindo gente boa numa escala global. A empresa possui uma cultura única também, que os 10 principios abaixo explicam:
Elon Musk:esse é o tipo de empreendedor que se vê uma vez a cada 100 anos. Ele consegue recrutar talento, captar recursos e lançar produtos que os consumidores amam numa escala acima de qualquer outro. Além disso, é um excelente contador de histórias e consegue convencer do governo americano ao PhD em engenharia aeronáutica que a empresa certa para levar os humanos a Marte é a dele. Poucas empresas que não são B2C tem uma marca tão valiosa quanto a SpaceX. A empresa captou bilhões, seja do próprio Musk, investidores ou governo. Isso se deve muito a ele.
É difícil imaginar um futuro para a indústria espacial sem a SpaceX em seu centro. Em 20 anos, ela conseguiu revolucionar a economia espacial e parece que ainda tem muito a mostrar. Mais do que isso, é uma empresa que representa o que há de melhor na humanidade: nossa vontade de escolher desafios difíceis e de supera-los. Ficarei atento para os próximos movimentos da SpaceX, pois sei que estes apontarão para o futuro.
Grande abraço, Edu
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