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Oi pessoal, tudo bem? Esta semana estou em viagem a trabalho. Apesar da correria, ficar em aviões por 42 horas deu tempo para escrever o artigo de hoje…

Espero que gostem e qualquer feedback é sempre bem vindo!


A Teoria da Agregação. Web3 é a solução?  

Resumo: o surgimento da internet transformou o mundo dos negócios, movendo poder das empresas que verticalizavam produção e distribuição para agregadores que contém o relacionamento com o cliente. Isso deu luz às empresas de tecnologia mais poderosas da atualidade. Apesar de muitos considerarem que elas não serão disruptadas, advogo que a Web3 oferece um risco real.

Ben Thompson é um dos grandes pensadores sobre negócios e tecnologia dos nossos tempos. O seu site Stratechery é leitura obrigatória para executivos e investidores do setor. Uma das suas principais contribuições é a Teoria da Agregação. É uma nova forma de entender negócios na época da Internet. A forma mais simples de explica-la é “Num mundo em que a oferta é infinita e todos os consumidores podem ser alcançados, o valor econômico é capturado de forma desproporcional pelos agregadores de demanda”, mas vale a pena uma explicação mais longa:

A cadeia de valor de qualquer mercado consumidor pode ser dividida em três partes: (i) fornecedores, (ii) distribuidores e (iii) consumidores. As duas melhores forma de ter altos lucros em qualquer destes mercados é se tornar um monopólio horizontal em uma destas três partes ou integrar duas destas partes de forma que a empresa possua uma vantagem ao entregar uma solução verticalizada. Antes da internet, verticalizar implicava controlar a distribuição e fornecedores.

Muito teórico? Também achei, vamos explicar usando exemplos:

  • Jornais: os jornais impressos eram a principal forma de entregar conteúdo escrito para leitores de uma dada região. Eles integravam o fornecimento (criação de conteúdo, ou seja jornalistas+editores) com a distribuição (gráfica + rede de entregadores) e ganhavam altos lucros cobrando dos anunciantes
  • Livros: dinâmica semelhante. As editoras controlavam o fornecimento através de contrato de distribuição exclusiva com os autores e estavam verticalizados na distribuição
  • Vídeos: uma empresa como a Globo era proprietária tanto dos direitos e equipamento para transmissão de um canal de televisão, como do Projac, onde produzia conteúdo (ex: Novelas), além de comprar a exclusividade de conteúdos que não produzia (ex: Filmes Americanos)
  • Taxis: as cooperativas, que são as distribuidoras, estavam em direta associação com os donos dos automóveis autorizados
  • Cerveja: a Ambev tem uma ampla capacidade de distribuição, chegando a qualquer boteco brasileiro e também é verticalizada, sendo dona das fábricas

Isso fazia sentido pois existem mais consumidores do que fornecedores, de forma que em um mundo em que transacionar tem custo, ser dono do fornecedor (de forma direta ou indireta) é algo poderoso. Você controla o que as pessoas querem e também faz a entrega disso.

Uma das grandes disrupções da Internet foi mudar essa dinâmica completamente. Primeiro pois a Internet possui distribuição gratuita de bens digitais (ex: informação num site), dessa forma neutralizando qualquer vantagem que os distribuidores pré-Internet tinham com os fornecedores. Segundo, a Internet fez com que os custos de transação fossem zerados, fazendo com que fosse possível um distribuidor se integrar com os consumidores em larga escala.

O impacto disso foi enorme. Os distribuidores passaram a ter que competir de novas formas, não apenas através da sua relação com os fornecedores, que acontecia muitas vezes ao custo dos consumidores. Agora os fornecedores poderiam ser commoditizados e os clientes se tornavam a a prioridade.

Foco no cliente quer dizer que a experiência do consumidor se tornou o principal fator de sucesso: o melhor distribuidor é aquele que melhor trata o cliente, atraindo mais destes, que atraem mais fornecedores, o que melhora a escolha do cliente, criando assim um ciclo virtuoso.

O resultado é que os incumbentes como jornais, editoras, redes de televisão e cooperativas de taxis que tinham integrado os fornecedores, perderam poder para os novos agregadores. A força destes se tornou tamanha que em alguns casos eles nem mesmo pagam pelo estoque que mostram aos seus milhões de clientes, como é o caso dos marketplaces.

Ficou teórico de novo? Okay, vamos aos exemplos:

  • Google: antes os jornais e revistas eram donos das produções de conteúdo. O Google modularizou as páginas e artigos de forma individual, fazendo o acesso até eles direto via a rede. Você podia clicar diretamente no texto que você queria ler, sem ter que passar pela pagina principal do jornal. O Google então integrou as informações dos usuários ao mecanismo de busca, oferecendo propaganda altamente eficaz para os anunciantes
  • Facebook: antes os jornais e revistas integravam o conteúdo a propaganda (ex: ficavam na mesma pagina física). O Facebook conseguiu modularizar as propagandas de forma que os anunciantes poderiam fazer propaganda diretamente aos consumidores, ao invés da forma indireta da revista
  • Amazon: antes as editoras eram verticalizadas. Faziam a edição, marketing e distribuição dos livros. A Amazon modularizou a distribuição via o eCommerce e depois via o Kindle. A Amazon integrou dados do consumidor e pagamentos, dessa forma capturando a maior parte dos lucros
  • Netflix: antes as redes de televisão controlavam a disponibilidade de conteúdo através da compra destes. A Netflix modularizou a transmissão do conteúdo ao oferecer toda a sua biblioteca de conteúdo a qualquer momento. A empresa integrou compra de conteúdo com atendimento ao cliente, criando um ciclo virtuoso de aumento da base de clientes levando a mais compra de conteúdo
  • iFood/Rappi: se queríamos pedir uma pizza, tínhamos que ligar direto na pizzaria, que operava de forma verticalizada, produzindo e entregando. O iFood/Rappi colocaram dezenas de milhares de restaurantes na sua plataforma e modularizam tanto o restaurante quanto o motoboy, cobrando take rates de >20% do pedido durante o processo. Paremos aqui para pensar um pouco: se você está querendo uma cerveja, você hoje pede a que disponível no aplicativo ou caso não tenha a marca que você gosta, vai até um supermercado? Provavelmente a que está disponível. Quem não gosta dessa nova dinâmica? Uma empresa cuja nome começa com “Am” e termina com “bev”
  • Uber: antes as cooperativas de taxi integravam os taxis e o processo de pedido. O Uber modularizou a frota ao trabalhar com motoristas independentes. A empresa integrou distribuição com apoio aos clientes, conseguindo escala global

Muito importante ressaltarmos que estas empresas chegaram onde estão melhorando consideravelmente a qualidade do serviço, vide comparar a experiência do Uber vs Taxis. Agregadores permitem que os fornecedores consigam construir reputação (nota do motorista) e moderação tanto do lado dos fornecedores, quanto dos clientes. Eles funcionam como maestros, organizando a atividade econômica.

É interessante pensarmos que as primeiras empresas a se organizarem de acordo com a Teoria da Agregação fizeram isso com conteúdos digitais (ex: publicações e mídia).

À medida que o tempo foi passando, uma segunda onda aconteceu, com novas empresas atuando com “átomos ao invés de bits”. Nesse grupo se incluem Uber, iFood/Rappi, Airbnb dentre outras.

A terceira onda, que ainda está começando no Brasil é oferecer produtos e serviços não aos consumidores finais, mas para outras empresas, com os chamados “B2B marketplaces” como Clubbi, Floki, Clicampo, Meru e Oico.

 A Teoria da Agregação é importante no Brasil? Muito! Vamos classificar os unicórnios brasileiros em três grupos. (i) Exemplos de Teoria da Agregação, (ii) Fintechs, (iii) Outros:

(i) Exemplos de Teoria da Agregação: 99, Frete.com, Gympass, Hotmart, iFood, Loft, Loggi, MadeiraMadeira, Olist, Quinto Andar. Além destes, a maior empresa da América Latina, o MercadoLibre, também se enquadra nesta categoria.

(ii) Fintechs: Cloudwalk, Creditas, C6, Ebanx, NuBank, Stone, PagSeguro

(iii) Outros: Arco Educação, Merama, Mercado Bitcoin, unico, Vtex, Wildlife

Existem mais unicórnios baseados na Teoria da Agregação do que em Fintechs. O que isso quer dizer? Que são um baita de um bom negócio.

Importante ressaltar que em nenhum momento eu que entender uma disrupção enquanto ela está acontecendo é fácil. Na verdade, é difícil de entender até em retrospecto, vide que a Teoria da Agregação surgiu apenas em 2015. Se você fosse dono de um jornal nos anos 2000, seria muito difícil prever que o Facebook, Google e Twitter iriam atrapalhar seu negócio. Na verdade, os jornais abraçaram estas tecnologias, ajudando a sua própria crise.

Características de Agregadores

Por fim, Ben Thompson também definiu características dos agregadores. Estas são:

(i) Tem uma relação direta com seus clientes

(ii) Possuem custo marginal zero para servir seus clientes

(iii) Custos de aquisição decrescentes

Estes pontos advogam para a afirmação que são bons negócios.

O fim da história?

Ao analisarmos estas empresas, temos a impressão que são invencíveis. Vamos começar listando as potenciais ameaças:

1) Reguladores: Scott Galloway, o polêmico e genial empreendedor/professor/palestrante advoga a anos por uma forte regulação das grandes empresas de tecnologia, até hoje com pouco sucesso.

2) Dos disruptados: impossível. Você acredita que jornais vão roubar a nossa atenção do Google e Facebook?

3) Novos disruptores: se utilizarmos a base teórica sobre inovação, estabelecida pelo Prof. Clayton Christensen na década de 90, a oportunidade de disruptar uma empresa aparece quando o incumbente começa a deixar clientes de lado ao se focar apenas nos clientes mais exigentes e rentáveis. É assim que uma startup consegue atacar uma grande empresa: ela vai atrás do cliente que o incumbente ignora. Vide o NuBank oferecendo cartões de crédito para a baixa renda.

É difícil acreditar que empresas como Google, Facebook, Uber, Netflix vão dormir no ponto como uma Xerox dormiu. Seus executivos estudaram Clayton Christensen e seus modelos de negócio permitem servir a todos os tipos de consumidores. Também é muito difícil competir em preço, dado que Google e Facebook oferecem seus produtos de graça.

Uma potencial forma de disruptar os incumbentes seria através do surgimento de uma nova plataforma computacional. Um exemplo disso foi quando a novata Whatsapp começou a ameaçar o incumbente Facebook. Lembram como essa história terminou? Com a compra do Whatsapp pelo Facebook…

Talvez então estejamos num cenário em que empresas como Google e Facebook não serão reguladas e daqui a 100 anos ainda serão dominantes pois (i) Elas servem a todos os consumidores bem e barato; (ii) são extremamente bem geridas e tem acesso a capital; (iii) não estão sujeitas a disrupção de novas plataformas computacionais.

Chegamos então ao “Fim da História Tecnológica”. Quem acredita nesse cenário? Muita gente, incluindo o próprio Ben Thompson.

Entra a Web3

Eu acredito que estas empresas são mais vulneráveis que parecem. Elas vão continuar muito poderosas por um tempo, mas eu advogo aqui que nos próximos 10 anos pelo menos uma delas vai ser substituída por uma competidora construída utilizando blockchains.

E por que? Porque as blockchains conseguem fazer algo que todas as outras plataformas computacionais não conseguem: elas podem escrever código que não vai ser alterado. É um computador que pode fazer uma promessa e nunca quebra-la.

Por que precisamos do Uber? Digo, eu sou um passageiro em São Paulo e quero ir do lugar X até Y. O motorista quer ganhar dinheiro levando passageiros. Por que numa viagem em São Paulo é preciso mandar 20% do valor do serviço para uma empresa sediada em San Francisco? Porque o Uber me da confiança que eu não serei roubado ou que a viagem vai ter problema. Bom, não seria possível fazer isso com um contrato inteligente numa blockchain publica? Poderíamos transformar uma viagem estilo Uber numa sequência de “If-then” e “if-then-else” e ter pessoas em volta alinhadas economicamente com o sucesso da nova rede de carros.

Um empreendedor Web3 pode utilizar Ethereum para segurança, pagamentos e certificação que um serviço ocorreu. O cliente utiliza a sua conta da Metamask, de forma que não precisa preencher seus dados pela milésima vez num serviço (algo que eu pessoalmente detesto fazer). Os primeiros usuários são incentivados com tokens, de forma que o investimento em marketing é uma fração do de uma startup tradicional. Através do compartilhamento de código aberto, é possível se alavancar no trabalho que outras pessoas já fizeram, de forma que o processo de construir um serviço é muito mais rápido.

Uma empresa Web3 já nasce com alta velocidade no seu primeiro dia, pois utiliza a escala da blockchain. Esse é um tipo de animal que as empresas Web2 (Google, Facebook, Uber, Airbnb, iFood, MercadoLibre) nunca viram ou lutaram contra. Pense em quanto tempo demorou para o MercadoLibre criar o MercadoPago. Em d1 o empreendedor Web3 já tem uma solução próxima.

A Internet zerou o custo de distribuição e de pagamentos. Blockchains podem zerar o custo de verificação e confiança. Eu posso verificar se o NFT que estou comprando em uma plataforma criada via blockchains pois a sua legitimidade é facilmente verificada. Isso significa que os agregadores da Web3 conseguem verificar e validar fornecedores a uma fração do custo de uma empresa de tecnologia atualmente consegue.

Se os serviços da Web2 são de graça, como fazer algo mais barato que isso? Simples, pagando as pessoas para usar o serviço. O Cristiano Ronaldo tem 468 milhões de seguidores e recebe $0 do Instagram para ter o perfil dele lá. Enquanto isso, o Facebook fatura entre $6 a $10 dólares por usuário ativo por trimestre. E o coitado do Cristiano não ganha nada com isso, exceto as propagandas que ele faz diretamente nos posts dele. Quem é usuário do Instagram sabe o quão chato é ser bombardeado por propagandas pagas do Instagram para depois ir lá no perfil da sua celebridade favorita e ver ele/ela fazendo propaganda no próprio post. Se o Cristiano receber por participar em um “Instagram Web3”, ele não precisa e nem vai querer receber pra fazer post patrocinado ou permuta.

Imagine então uma nova rede social que desse 50% das receitas geradas para os principais perfis. Isso seria motivo para qualquer celebridade sair do Instagram. Como isso pode ser feito em escala? Através de blockchains.

Blockchains permitem a criação de novos produtos e mercados, que os incumbentes não conseguem atacar de forma imediata. Seguem alguns exemplos:

  • NFTs: criar objetivos digitais escassos deu origem a um novo tipo de artista e fã.
  • Finanças Descentralizadas permitem que novos produtos financeiros sejam testados imediatamente

Escalabilidade + Composabilidade + Alinhamento de Incentivos + Novas Capacidades = uma chance de desafiar os incumbentes.

Além disso, eu acredito que mais do que substituir os serviços existentes, através das blockchains poderemos criar serviços novos, que não existem hoje. Afinal, quem poderia pensar numa rede social em 1995?

Onde estamos hoje?

A verdade é que hoje as blockchains e empresas Web3 ainda estão no começo. É o começo do começo. Os serviços Web2 ainda são melhores do ponto de vista de experiência do usuário, escalabilidade, performance e custo. Os projetos Web3 que vem ganhando tração apelam a um pequeno nicho. Mas tudo bem! É assim que as coisas começam. A nova ferramenta esta ai e vai crescer com o tempo.

E para quem diz que “ah, mas crypto é para especular. As fotos dos macaquinhos não geram nenhum valor para a sociedade, é besteira”, eu respondo assim: isso tudo é treino. Estamos aprendendo como trabalhar com essa tecnologia. As grandes inovações ainda virão. Demorou 5 anos depois do surgimento do iPhone para Uber e Airbnb nascerem, empresas viáveis apenas por causa da existência do smartphone.

Como investidores e empreendedores em Web3, temos muito trabalho a fazer: melhorar a experiência do usuário, diminuir custo e melhorar a velocidade de transações, mas não se enganem, as coisas estão acontecendo em Web3 e vale a pena conhecer mais sobre esse mundo fascinante.

Abs!

Edu

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