O bsb é uma newsletter semanal sobre a arte e ciência de construir e investir em empresas de tecnologia. Para receber nossos e-mails, basta clicar abaixo:
Olá, tudo bem?
Esse é o primeiro post do Bits, Stocks e Blocks, um blog sobre Tecnologia+Investimentos+Blockchain. Meu nome é Eduardo Vasconcellos, sou investidor de tecnologia e quero contribuir para o ecossistema brasileiro de empreendedorismo com textos sobre estes temas, sempre em português. Caso você queira conhecer mais sobre o bsb, segue o link de apresentação onde você também pode se inscrever.
Agora vamos ao primeiro texto.
Muito obrigado!
Edu
O Pecado Original da Internet
E o que isso tem a ver com Blockchain
Resumo: A falta da funcionalidade de pagamentos nos primeiros browsers deu origem a uma série de problemas que até hoje os usuários da internet enfrentam. A tecnologia blockchain pode solucionar estes problemas, melhorando a experiência de navegar, consumir e produzir na web, transformando a cadeia de valor da internet.
Gosto de entender qualquer assunto pela sua origem. O que motivou o surgimento da tecnologia blockchain na forma como a conhecemos hoje? Qual foi a dor que inicialmente se propôs a resolver? A resposta é que blockchain busca em parte resolver o pecado original da internet, alinhando a criação com a captura de valor econômico, enquanto preserva a privacidade e a qualidade da experiência.
Decisões feitas em relação a infraestrutura de qualquer sistema, seja ele digital ou real, geram enormes impactos. Se uma estrada passa pela cidade X ou Y, isso pode levar a uma criação de valor em uma região em detrimento de outra. No caso da internet, uma peça fundamental da infraestrutura foi o browser, que permitiu aos consumidores acesso rápido e fácil. Mais especificamente o primeiro deles, o Mosaic.
Vale a pena aqui um rápido mergulho pela história. Até 1993 era ilegal utilizar a internet para usos comerciais, dado que era financiada pelo governo americano. Empresas já usavam a internet, mas apenas internamente. Na época, os EUA estavam em um período de baixo crescimento econômico e o Congresso viu na desregulação da internet um possível motor de crescimento. Poucas decisões governamentais foram tão acertadas. A operação da internet passou para as empresas de telecomunicações e o governo cortou o subsídio. Isso criou a oportunidade de empresas criarem interfaces amigáveis ao consumidor e serviços serem oferecidos pela internet.
Em uma entrevista em 2019 Marc Andreesen, co-fundador da a16z, Netscape e co-criador do Mosaic conversou com a então sócia do fundo de crypto da a16z, Katie Haun. Nesta entrevista ele relatou o processo de criação do primeiro browser e os diversos paralelos entre o surgimento da internet e a adoção da tecnologia blockchain. Ao desenvolver os primeiros browsers comerciais, tanto a Netscape quanto a Microsoft viram a necessidade de inclusão de um sistema de pagamento criado para a internet. Ao oferecer serviços e produtos pela rede, os consumidores precisariam de uma forma de pagar pelos mesmos de forma rápida e intuitiva. O desafio foi convencer as empresas de pagamento e bancos, peças fundamentais de qualquer sistema de transferência de valor, a participarem do projeto de uma tecnologia tão nova. Após inúmeras tentativas, ambas empresas decidiram lançar seus browsers sem sistema de pagamentos. Esse foi o pecado original da internet.
O browser foi lançado sem uma carteira digital com dinheiro disponível para pagamento imediato. A ausência de um meio de pagamentos inviabilizou diversos modelos de negócio. Por exemplo, era impossível cobrar uma assinatura online de um cliente. Empresas de eCommerce surgiram depois de pouco tempo, mas o sistema de pagamento era equivalente ao de passar um cartão de crédito em uma loja e a penetração de cartões de crédito não era tão alta em 1993. As empresas da internet então acabaram encontrando na publicidade um modelo de negócios viável. O racional disso era que a transação não se dava pelo consumidor, mas sim entre duas empresas. Desta forma, as empresas operando na internet passaram a oferecer serviços de graça ao público, juntando uma audiência em torno de um tema específico e monetizando através de publicidade. Esse fenômeno foi bem explorado pela “Teoria de Agregação”, do Ben Thompson, que vamos discutir num texto futuro.
Existem benefícios nesse modelo. O primeiro é que deu acesso a consumidores, de graça, a serviços que muitos provavelmente nunca poderiam comprar. Isso ajudou a acelerar a adoção da internet e a melhorar estes mesmos serviços. Será que o Google, cujo algoritmo melhora a cada busca, seria tão bom se a cada busca fosse cobrado um valor, mesmo que de apenas poucos centavos? Ou o Facebook teria tantos usuários se custasse R$10/mês? Podemos dizer o mesmo de Gmail, Waze e tantos outros.
Durante muito tempo, ficamos maravilhados com serviços pelos quais não pagamos. No entanto, à medida que os anos foram passando, entendemos os problemas desse modelo. Ao desalinhar o valor criado (o serviço oferecido, ex: uma rede social) do valor capturado (a transação econômica) o desenvolvimento da economia da internet foi menos eficiente e criou série de problemas.
O benefício da publicidade online é a capacidade de saber quem a está assistindo. Disso derivam vários problemas:
1) Falta de privacidade: quando estamos navegando na internet pelo desktop ou usando diferentes aplicativos no telefone, não sabemos quais entidades estão coletando informações sobre nossa localização, histórico, contatos, compras, comentários, etc. Google, Facebook, Snapchat, Pinterest e tantas outras empresas coletam uma imensidão de dados sobre seus usuários e conseguem tirar conclusões que até mesmo a própria pessoa não sabe. O risco de manipulação é real e tangível, a ponto de até mesmo eleições terem seus resultados afetados pelas mídias online.
2) Experiência do usuário: criei um email para este blog. Não o compartilhei com ninguém por 30 dias. Durante este período, fui inundado por spams dos mais diversos. Todo dia no meu email pessoal sou bombardeado por mais de 50 emails de publicidade, a ponto do Gmail criar uma pasta de spam e outra de publicidade apenas para recebê-las. Na busca por aumento de receita, as empresas passaram a inundar os sites com propagandas. Se antes o Youtube tinha um vídeo de publicidade que podíamos pular, agora são dois, de 30 segundos e não é possível deixar de assisti-los. A minha experiência como usuário é pior pois existem dezenas de empresas vasculhando tudo que eu faço e tentando achar formas de me engajar.
3) Roubo de dados: a concentração de tantos dados e poder nas mãos de poucas empresas faz que estas sejam alvos para hackers, aumentando o risco sistêmico da internet. Apesar de parecer um risco menor, na verdade este vem se tornando cada vez mais relevante. A venda de dados pessoais na dark web é real e depois de alguns familiares e amigos terem tido seus whatsapp clonados, caído em golpes financeiros dentre outras fraudes, vejo este problema como um dos piores.
Onde entra a tecnologia blockchain?
Blockchains podem ajudar a resolver as consequências do pecado original da internet. Na verdade, esse foi o objetivo da primeira blockchain, o Bitcoin.
1) Carteira no browser: o white paper do Bitcoin não propõe a ideia de um “Ouro digital”. O objetivo inicial era que este fosse usado como um meio de pagamento. O próprio nome do paper deixa isso claro “Bitcoin: A Peer-to-Peer Electronic Cash System”. Caso o Bitcoin existisse na década de 90, tem uma boa chance que o Netscape e o Mosaic tivessem uma carteira crypto acoplada ao browser. Atualmente isso já existe, com extensões de carteiras como a MetaMask no Chrome. Com minha carteira Meta Mask eu posso entrar em um site como o OpenSea e fazer a compra de um NFT de forma rápida, fácil e sem a necessidade de preencher formulário ou de dar toda minha informação pessoal para uma empresa que vai me bombardear de spams direcionados. A facilidade de pagamento usando crypto vai realinhar a cadeia de valor da internet.
2) Soberania sobre dados pessoais: hoje quando assinamos para qualquer serviço, precisamos sempre preencher dados como endereço, idade, gênero, nacionalidade, conta corrente seja colocando estes dados nós mesmos, ou usando nosso login do Google, Facebook, Linkedin ou outro. Todas estas informações estão nas mãos destas empresas, o que representa um risco. Com a tecnologia blockchain, podemos controlar essas informações e disponibilizá-las de forma parcial e temporária. Tão bom quanto, não vamos precisar preencher as mesmas informações dezenas de vezes. Plataformas como o Ethereum estão trabalhando em infraestrutura para soberania dos dados.
3) Controle dos nossos arquivos: através da blockchain, podemos guardar nossos arquivos de forma descentralizada, sem depender de uma única empresa. Isso pode não parecer tão crítico para um consumidor brasileiro, mas é algo que as empresas cada vez mais se preocupam e depender completamente da infraestrutura de outra empresa privada é um risco. Blockchains como o Filecoin estão endereçando esse problema.
Aos céticos que acreditam que a tecnologia blockchain surgiu sem razão ou propósito e que o Bitcoin é algo sem sentido, acredito que essa recapitulação histórica, que já foi contada por outros (Link, Link), ajuda a contextualizar o motivo da tecnologia blockchain ser considerada a peça que faltava na infraestrutura da internet. Sim, existe ainda muito a ser desenvolvido, especialmente para melhorar a experiência do usuário final, mas quem usava a internet na década de 90 acompanhou a melhoria exponencial na qualidade dos serviços de internet. Acredito que o mesmo vai acontecer com serviços oferecidos via blockchain.
Entender a tecnologia blockchain, os serviços construídos em cima dela e a velocidade do seu desenvolvimento se faz cada vez mais necessário. Vamos estudá-la juntos?
DISCLAIMER: essa newsletter não é recomendação de investimentos. Seu propósito é puramente de entretenimento e não constitui aconselhamento financeiro ou solicitação para comprar ou vender qualquer ativo. Faça a sua própria pesquisa. Todas as opiniões e visões são pessoais do próprio autor e não constituem a visão institucional de nenhuma empresa da qual ele seja sócio, colaborador ou investidor.