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Olá! Estudar a Taiwan Semiconductor Manufacturing Company (TSMC) é uma aula de ciência, empreendedorismo, estratégia e geopolítica. É um prazer apresentar uma das empresas mais fascinantes do mundo.

Se você tem apenas um minuto, aqui está o resumo:


  • A TSMC é fundamental para a economia, o desenvolvimento tecnológico e a estabilidade geopolítica global
  • Semicondutor é a coisa mais difícil de se produzir no mundo. A indústria é composta por poucas empresas com profundo expertise, atuando de forma simbiótica
  • Morris Chang é a prova do poder do indivíduo. Não importa quantos grupos de trabalho existam, no fim das contas uma pessoa pode fazer toda a diferença
  • O modelo de foundry-only da TSMC desencadeou inovação no setor de semicondutores. É difícil que a empresa perca a sua posição de liderança
  • Os EUA, aliados de Taiwan, estão a frente da China em semicondutores e vem trabalhando para aumentar ainda mais essa vantagem

Sua importância

 

A TSMC é a nona maior empresa do mundo, sendo a maior entre as companhias não americanas e não estatais. À época deste artigo, sua capitalização é de aproximadamente US$450bi, posicionando-a como líder na fabricação de semicondutores e na vanguarda do setor.

Embora a inteligência artificial, blockchain e smartphones atraiam mais atenção, os semicondutores desempenham papel crucial no nosso cotidiano. Eles são essenciais para o funcionamento de computadores, celulares, veículos e sistemas de defesa. Se o petróleo é considerado o combustível que impulsiona o mundo, são os semicondutores que possibilitam a vida moderna. Interrupções em sua produção podem desencadear crises significativas. Jon Bathgate, investidor na NZS, estima que o encerramento das operações de empresas como a TSMC resultaria em uma queda imediata de 10% no PIB global, levando o mundo a depressão econômica mundial.

Além disso, a localização da TSMC em Taiwan representa um aspecto estratégico, atuando como um “Escudo de Silício” diante de possíveis ameaças de invasão pela China, um país extremamente dependente de seus produtos. Esta posição não apenas ressalta a importância econômica da TSMC, mas também a sua relevância geopolítica.

 

O que são semicondutores?

 

De uma forma simplista, um semicondutor é um material que conduz energia condicionalmente. Vidro é um exemplo de um isolante, péssimo para conduzir eletricidade. Cobre, por outro lado, é um ótimo condutor. Semicondutores ficam no meio termo. Silício é um semicondutor comum, por isso do nome “Vale do Silício”. Aqui no texto, e de forma geral, quando as pessoas se referem a semicondutores, estão se referindo a “chips semicondutores”. Chips são feitos de fatias pretas e suaves de silício. Vários elementos são colocados na sua superfície para modificar suas correntes elétricas, sendo o mais comum transistores. O transistor é um dispositivo criado com o objetivo de trocar ou amplificar a potência elétrica e sinais eletrônicos. Um chip possui dezenas de bilhões de transistores, com apenas alguns nanômetros de largura. O menor transistor que existe possui apenas 0.3 nanômetros e não é comercializado ainda. O celular mais avançado da Apple usa o de 5 nanômetros (N5).

Quanto mais transistores podem ser acomodados em um chip, mais rápido ele fica. É a “Lei de Moore” em seu conceito original, antes de ter sido prostituída para se referir a qualquer coisa que “cresce rápido” no mundo de tecnologia. A Lei diz que chips conseguiriam acomodar o dobro do número de transistores a cada dois anos e isso duraria por uma década. Já fazem seis décadas e ela continua valendo, mas muito estimam que está perto do seu limite.

 

Indústria de semicondutores

 

A TSMC opera no setor de semicondutores como uma “foundry” (“fábrica”), ocupando uma posição central nessa indústria. No ano de 2022, o mercado de semicondutores atingiu um valor aproximado de US$ 600 bilhões, com projeções indicando que poderá alcançar a marca de US$ 1 trilhão até o ano de 2030. A TSMC especializa-se na produção de chips conforme os projetos fornecidos por seus clientes, conhecidos como “chip-designers”. Gigantes tecnológicos como Apple, NVIDIA e Qualcomm são exemplos de designers, possuindo a expertise necessária para desenvolver os desenhos dos chips, mas sem a infraestrutura para fabricá-los .

Compreender a dinâmica dessa indústria pode ser complexo, no entanto, o resumo elaborado por Leandro (@Invesquotes) oferece uma excelente introdução aos principais atores e suas interações dentro do mercado de semicondutores.

O conceito-chave para entender a indústria de semicondutores é a simbiose. Este setor é caracterizado por um número limitado de empresas grandes e globalizadas que operam de maneira coordenada.

Um exemplo notável é a ASML, a segunda maior empresa da Europa, com um valor de mercado aproximado de US$ 250 bilhões.

A ASML é especializada na produção de equipamentos essenciais para as fábricas de semicondutores (foundries), desempenhando um papel crucial na cadeia de produção.

A fabricação de semicondutores está entre as atividades mais complexas e desafiadoras do mundo, com muitos de seus processos sendo intrincadamente complicados de explicar. Por exemplo, o sistema de litografia desenvolvido pela ASML utiliza espelhos de precisão extrema, capazes de direcionar um laser da Terra para acertar uma bola de golfe na Lua, ilustrando o nível de precisão e tecnologia envolvidos.

A magnitude, complexidade e vitalidade desta indústria justificam sua natureza altamente politizada. Durante a ascensão dos computadores na década de 1980, a União Soviética se viu incapaz de competir efetivamente no campo dos semicondutores, evidenciando seu atraso tecnológico em relação ao resto do mundo. Esta situação destaca não apenas a importância estratégica dos semicondutores, mas também o impacto significativo que a indústria tem sobre o desenvolvimento tecnológico e o poder geopolítico global.

 

Morris Chang

 

Morris Chang, fundador da TSMC, é frequentemente comparado a figuras emblemáticas como Steve Jobs, Elon Musk e Walt Disney em Taiwan, devido ao seu impacto revolucionário na indústria de semicondutores. Nascido na China em 1931, Chang cresceu em um contexto marcado por guerra, pobreza e injustiça. Após sua família fugir da China e viver sob ocupação japonesa em Hong Kong, ele se mudou para os Estados Unidos em 1949 para estudar em Harvard, buscando imergir na moral, tecnologia e riqueza que admirava no país. Posteriormente, transferiu-se para o MIT, onde completou sua graduação e mestrado, apesar de enfrentar rejeições ao tentar o doutorado por duas vezes.

Chang é conhecido não apenas por sua inteligência e ética de trabalho, mas também por sua humildade e senso de humor.Sua carreira nos Estados Unidos floresceu na Texas Instruments, onde se tornou um dos maiores especialistas mundiais em semicondutores, contribuindo significativamente para aumentar a eficiência das fábricas de 2-3% para 25-30%.

Após experiências menos satisfatórias, incluindo uma passagem pela General Instrument Corporation e desafios pessoais como um divórcio, Chang mudou-se para Taiwan em 1985 para assumir a presidência do Industrial Technology Research Institute (ITRI). Sob sua liderança, o ITRI focou em transformar a indústria de semicondutores local, então baseada em produtos de baixo valor agregado com margens mínimas.

Desafiando o dogma da época de que “uma empresa de verdade possui fábricas”, Chang concebeu a ideia inovadora de criar uma “pure-play foundry” que se concentraria exclusivamente na fabricação de semicondutores, sem envolvimento no design.

Essa visão, comparável à estratégia de Bill Gates com a IBM, de não vender software, mas sim ganhar uma % na venda de cada computador vendido com seu software, revelou-se um divisor de águas no empreendedorismo global, fundamentada em uma profunda compreensão do setor, confiança e uma boa dose de sorte.

A estratégia de Chang também refletia a posição vulnerável de Taiwan no que diz respeito à propriedade intelectual e reconhecia o crescente foco das grandes empresas em aprimorar o design dos circuitos. Com o apoio financeiro do governo, empresários locais e da Philips Electronics, Chang, sem receber equity inicialmente, aos 56 anos de idade, entraria no segundo ato da sua carreira: empreender, fundando a TSMC. Sua fortuna, que mais tarde alcançou US$3 bilhões, veio de investimentos pessoais nas ações da empresa ao longo de sua carreira.

No nosso contexto local, temos figuras pioneiras como Chang, como Cassimiro Montenegro, fundador do ITA, e Ozires Silva, fundador da Embraer. Os três são provas que visão e determinação podem levar a realizações extraordinárias em qualquer contexto.

 

TSMC

 

A trajetória da TSMC e seu fundador, Morris Chang, é uma história de visão estratégica, perseverança e inovação na indústria de semicondutores. Nos primeiros anos, Chang estabeleceu uma cultura de dedicação e excelência na TSMC, com o objetivo de torná-la a melhor fabricante de chips do mercado. Essa fase inicial foi marcada por grandes desafios, mas também por decisões que transformariam o panorama industrial.

A indústria de semicondutores da época era dominada por gigantes como Intel e Samsung, que possuíam a capacidade de desenhar e produzir semicondutores. Estas empresas muitas vezes assumiam papéis de fornecedores para outros projetistas de chips, porém, sob contratos que limitavam a capacidade desses projetistas de reter valor econômico ou proteger suas inovações.

A TSMC, ao promover uma parceria em vez de competição com os projetistas de chips, introduziu uma nova lógica industrial, focando exclusivamente na fabricação e permitindo uma maior liberdade e segurança para inovação por parte dos designers.

Inicialmente, a TSMC não possuía tecnologia própria e dependia de licenças de terceiros. Apesar dos primeiros contratos não serem financeiramente favoráveis, eles abriram caminho para a empresa estabelecer sua reputação e capacidade produtiva. Morris Chang compreendeu cedo o desejo dos designers de chips de fundar suas próprias empresas, mas que eram limitados pelo alto custo de construção de fábricas.

A TSMC se apresentou como a solução para esse impasse, permitindo que esses empreendedores pudessem trazer suas inovações ao mercado.

A visão de Chang de desverticalizar a indústria de semicondutores permitiu que a TSMC e seus clientes se especializassem e inovassem em suas respectivas áreas.

Desenhar e fabricar era tão difícil que se focar em apenas uma etapa e fazê-la bem feito era o melhor caminho para a indústria.

Isso levou a um ciclo virtuoso de desenvolvimento e inovação tecnológica, aumentando a demanda por chips avançados e, por consequência, o crescimento da TSMC.

No início dos anos 2000, a TSMC já era uma das poucas empresas capazes de produzir os semicondutores mais avançados. Com o tempo, a lista se reduziu ainda mais, até que em 2022, apenas a TSMC e a Samsung conseguiam fabricar chips de última geração, com a TSMC dominando a maior parte (92%) desse mercado. A capacidade da TSMC de se manter à frente em inovação e produção reflete a premissa de que, na indústria de semicondutores, é crucial investir continuamente em novas tecnologias para permanecer competitivo.

O sucesso da TSMC não apenas transformou a indústria de semicondutores, mas também possibilitou o surgimento e crescimento de empresas de design de chips, como Nvidia, Broadcom, Qualcomm e Marvell, que dominaram o mercado graças à capacidade de produção e inovação da TSMC.

A estratégia de Chang de especialização na fabricação de semicondutores provou ser acertada, tanto para a TSMC quanto para seus clientes, contrastando com o declínio de empresas americanas que não conseguiram se adaptar ou manter o ritmo de inovação necessário, como a IBM e a Intel. A Samsung permanece como um competidor significativo, mas a TSMC estabeleceu-se firmemente como líder na produção dos semicondutores mais avançados do mundo, um testemunho da visão e liderança de Morris Chang. Além da posição de liderança, a empresa quer continuar aumentando sua distância para os competidores.

Chang diz que: “O setor de semicondutores funciona como uma esteira de academia. Não dá pra parar. É preciso sempre investir em inovação para ficar na fronteira”.

 

 

 

Oportunidade de Ouro

 

Em 2005, aos 74 anos, Morris Chang decidiu se aposentar da TSMC, mas retornou como CEO em 2009, aos 78 anos, após perceber uma redução nos investimentos em pesquisa e desenvolvimento pela nova liderança. Chang identificou uma oportunidade única na transição da computação desktop para os smartphones, um movimento que a Intel subestimou ao recusar a proposta da Apple de produzir semicondutores para o iPhone, considerando o mercado potencial insuficiente para justificar os custos.

A Samsung inicialmente preencheu esse papel, mas em 2014, a TSMC tornou-se a fornecedora exclusiva dos chips do iPhone, o que impulsionou suas receitas de US$ 15 bilhões em 2010 para cerca de US$ 76 bilhões em 2022. Os smartphones representam 41% do faturamento da empresa, seguidos por computação de alta performance com 39%, e a TSMC desfruta de uma margem bruta de 55%, assegurando recursos para continuar a liderar em inovação e manter sua posição competitiva.

Desafiar a TSMC no mercado atual exigiria superar barreiras significativas, incluindo:

1) Capital: em 2022, a TSMC investiu US$ 44 bilhões em pesquisa e novas fábricas, com um Capex projetado de US$ 100 bilhões para os próximos três anos.

2) Execução: a complexidade de montar uma fabrica é enorme. São 160 mil metros quadrados de salas limpas, que precisam de água pura equivalente a 480 piscinas por hora, que precisam navegar por >1.000km de tubulação ultra limpa. Isso que estou falando apenas da parte de infraestrutura. A empresa consome 10% da água de Taiwan (que é reciclada) e 5% da sua energia. Montar uma foundry que seja eficiente é muito complexo e não existe empresa hoje, exceção à Samsung, que consegue competir com a TSMC.

3) Relacionamento: empresas como a ASML, que produzem equipamentos essenciais, têm longas listas de espera, restringindo o acesso a novos entrantes.

4) Talento: o expertise existente na TSMC é raro de se encontrar. Algumas partes do processo são conhecidos (e compreendidos) por apenas poucas pessoas.

Além disso, a ascensão da Inteligência Artificial, demandando alto poder computacional, sugere um futuro promissor para a TSMC, beneficiando-se como parceiro neutro para gigantes tecnológicos que buscam competir nessa nova fronteira. É possível que Microsoft, Google, OpenAI e Amazon queiram ter como parte de seus esforços em IA a capacidade de desenharem chips próprios. A TSMC é o parceiro ideal para trabalhar com elas.

 

Tensões Geopolíticas

 

A  TSMC não apenas representa uma potência industrial para Taiwan, mas também uma peça estratégica no tabuleiro geopolítico global.

Funcionando como um “Escudo de Silício”, garante um deterrente contra a invasão chinesa, dado o interesse vital da China nos semicondutores taiwaneses para manter sua competitividade tecnológica.

A dependência da China em relação aos avanços semicondutores de Taiwan coloca os Estados Unidos em uma posição de vantagem estratégica, como evidenciado pelo bloqueio à Huawei em 2019, limitando o acesso da China à tecnologia de semicondutores avançada, o que a prejudicou muito.

Os planos dos Estados Unidos de fortalecer ainda mais sua posição incluem a expansão da produção de semicondutores doméstica, com a TSMC construindo duas novas fábricas no Arizona, representando US$ 40 bilhões em investimentos. Essa movimentação não apenas reforça a liderança tecnológica dos EUA, mas também complica as aspirações da China em avançar sua própria capacidade semicondutora, potencialmente forçando-a a buscar parcerias com a Samsung, apesar das alianças geopolíticas da Coreia do Sul com os Estados Unidos.

Assim, enquanto a China possui vantagens em outras áreas, como insumos farmacêuticos e baterias, que podem servir como moedas de troca, os Estados Unidos parecem determinados a manter e expandir sua vantagem no campo crítico dos semicondutores, um cenário que sublinha a importância contínua da TSMC no equilíbrio global de poder tecnológico e econômico.

Grande abraço, Edu

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