Oi pessoal! A indústria de carnes feita de planta surgiu durante o período de capital barato que alimentou os anos de 2009 até 2021. Empresas como Impossible Burger e Beyond Meat captaram bilhões e declaram a morte do consumo de carne como o conhecemos. Exagero ou estamos diante de uma mudança cultural? Quer saber mais? Leia o texto abaixo.
Aproveitando, semana que vem não teremos artigo. Estou desenvolvendo alguns projetos que vou apresentar em breve.
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Se você tem apenas um minuto, aqui é o que você precisa saber:
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Carne possui um dos melhores product-market-fit da história. Faz parte da dieta humana há 2.6 milhões de anos. Tem atualmente 30% do market share de calorias consumidas globalmente. É uma indústria de $1.4 trilhões de dólares
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A Tese de Investimentos de carne feita de planta é de inovar num setor grande, em que existe demanda para algo mais saudável e sustentável e possui espaço dentro da indústria para crescer
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O potencial de criar uma grande empresa apenas capturando parte da receita de um setor trilionário + A ideia de criar um novo produto disruptor utilizando “tecnologia” + Os fundadores que pregam que o mundo vai sofrer se não mudarmos a forma como comemos + Empresas que se beneficiam das tendências ESG = Isso é igual carne em churrasco para um VC (gostaram da piadinha?)
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À partir 2022, a queda de receitas e volumes do setor afungentou investidores e mudou a narrativa da mídia e formadores de opinião. Isso se deve ao alto preço, questionamentos sobre o valor nutricional, qualidade do gosto e precificação errada destas empresas na época de euforia
O Produto mais Importante do Mundo?
Carne possui um dos melhores product-market-fit da história. Faz parte da dieta humana há 2.6 milhões de anos. Tem atualmente 30% do market share de calorias consumidas globalmente. É uma indústria de $1.4 trilhões de dólares, com expectativa de chegar a $2.7 trilhões em 2040. Quase todas as culturas e civilizações consomem carne. Para nós, brasileiros, é ainda mais importante pois é uma das poucas indústrias em que somos competitivos globalmente. Economias inteiras estão organizadas em torno da produção de carne. Quando um país aumenta a sua renda per capita, o consumo de carne, fonte essencial de proteína, também aumenta. O preço da carne pode balançar um governo.
No entanto, apesar da proteína animal ser historicamente um componente da dieta humana, nas últimas décadas seu impacto negativo no meio ambiente e na saúde humana tem gerado críticas. Pelo menos 12% dos gases ligados ao efeito estufa são devido à agricultura animal. 30% de todo o impacto humano na destruição de biodiversidade é ligado a produção de carne. Existe uma crescente porcentagem dos consumidores que buscam produtos alinhados com seus valores, dentre estes a preocupação com o meio ambiente e sua própria saúde. Até recentemente não haviam opções para substituição de carne nas dietas, até o surgimento de carne feita de planta…
A Tese de Investimentos
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Mercado Enorme: como mencionei acima, o mercado de carnes é de $1.4 trilhões de dólares globalmente atualmente e continua a crescer, principalmente devido a economias emergentes. Estima-se que chegue a $2.7 trilhões em 2040
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Demanda não atendida: em 2022, uma pesquisa indicou que 80% dos consumidores estão dispostos a trocar a carne que consomem por carnes com menor pegada de carbono ou alternativas à carne. No entanto, uma outra pesquisa mostrou que apenas 5% dos consumidores estão dispostos a virar vegetarianos. Isso sinaliza a possibilidade de um produto que substitua a carne atualmente consumida, mas que tenha papel semelhante ao da carne na composição da dieta
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Grandes incumbentes e indústria complexa: nos Estados Unidos existem apenas 4 empresas que controlam mais de 2/3 da produção de bife no país. Isso cria uma disposição de seus clientes, como varejistas e restaurantes, em tentar novas alternativas que aumentem sua força diante destas empresas. Além disso, esta é uma indústria com múltiplos participantes, como fazendas, intermediários, distribuidores, transportadores, frigoríficos, dentre outros
Desenvolvimento
A ideia era simples. Combinando ingredientes originários de plantas, como feijão, lentilhas, ervilhas e grãos de uma forma inovadora, seria possível oferecer uma experiência culinária sem a necessidade de carne animal.
Tipos de carnes feitas de plantas
No passado, carne feita de planta era destinada a vegetarianos e veganos, que estavam buscando uma alternativa para a proteína animal. Estes produtos eram vendidos em lojas especializadas em produtos “saudáveis”. Era difícil encontrar este tipo de produto em lojas e restaurantes destinados ao grande público.
Na década de 2010 diversos empreendedores começaram a chegar à mesma conclusão. Para criar uma grande empresa no setor, seria necessário criar produtos para o consumidor em massa. Ao invés de tentar mudar o gosto das pessoas e bater de frente com um ecossistema gigantesco que glorifica o consumo de carne, eles iriam criar algo que replicasse o gosto e textura da carne, mas que fosse feito de plantas. Este produto seria vendido como algo superior pois:
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Gosto igual ao da carne tradicional
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Mais sustentável: carne feita de planta tem uma menor pegada de carbono, usa menos água e ocupa menos terra do que carne tradicional
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Mais saudável, dado que são produtos com menor grau de gordura e colesterol
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Preço inicialmente mais alto, mas que diminuiria à medida que a indústria ganhasse escala até ficar mais barato, afinal o processo de produção é mais simples
Os investidores de Venture Capital adoraram o conceito. O potencial de criar uma grande empresa apenas capturando parte da receita de um setor trilionário + A ideia de criar um novo produto disruptor utilizando “tecnologia” + Os fundadores que pregam que o mundo vai sofrer se não mudarmos a forma como comemos + Empresas que se beneficiam das tendências ESG = Isso é igual carne em churrasco para um VC (gostaram da piadinha?).
O dinheiro começou a jorrar para o setor. Antes de mesmo de ter vendido um único hamburger, a Impossible Foods já tinha captado $183 milhões de dólares. Em paralelo, estas empresas atraíram apoiadores e sócios dos mais diversos backgrounds. Atores de Hollywood investiram no setor, trazendo marketing gratuito e goodwill com a imprensa e público. As empresas de carne também investiram nestas companhias via seus fundos de corporate venture capital, prometendo parcerias estratégicas em frentes importantes, como distribuição. Soma-se a isso a inerente curiosidade dos consumidores: “será que o gosto é igual?”.
Fundador da Impossible Burger
Fundador da Beyond Meat
Até mesmo no Brasil, lar de algumas das principais empresas de carne como JBS e BRF, foi pega pela onda. A Fazenda Futuro, fundada pelos bem sucedidos empreendedores da DoBem, marca de sucos vendida para a Ambev, captou $8.5 milhões de dólares, sendo avaliada em $100 milhões de dólares, apenas três meses depois que foi criada. A empresa inclusive trouxe como sócia aquela que é provavelmente a mais famosa celebridade brasileira da atualidade, a cantora Anitta.
Em termos de modelo de negócios, estas empresas focaram no mesmo que os incumbentes. As vendas se concentram em varejistas e restaurantes, mas adicionando a opção de venda online direta ao consumidor. Algumas delas entraram também no modelo de “private label”, em que produzem a carne feita de planta e vendem via parcerias, sob uma marca que a varejista controla.
Lançamento e Auge
Cada empresa adotou uma estratégia diferente. Algumas lançaram “carnes” mais simples, como salsicha ou almôndegas, outras foram direto para o bife. O plano delas era parecido: a partir de um produto, criar uma linha que cobre os principais tipos de carne.
A Impossible Foods lançou o Impossible Burger em 2016. O marketing teve foco na questão ambiental, onde a empresa apresentou comparações sobre o quão drasticamente menor era o impacto do seu produto:
Fonte: Impossible Burger
Atualmente a empresa possui sete tipos de carne, incluindo bife, salsicha, frango, porco, almôndega. Além disso, criou uma marca forte o bastante para que empresas como Burger King colocassem em seus lanches.
Os dados de crescimento eram animadores. De uma indústria que praticamente não existia, a carne feita de planta se tornou um mercado de $5.6bi em 2021.
Em paralelo, os investidores continuaram a injetar dinheiro no setor.
Os dados de penetração também estavam positivos. Cerca de 41% dos americanos tinham provado carne feita de planta. Esse número era de 54% para americanos de alta renda.
O auge da euforia foi o IPO da Beyond Meat. No início de 2019 a empresa fez seu IPO precificando suas ações em $25 dólares, com valor total de $1.6bi. Vale ressaltar que a empresa havia faturado $80m no ano anterior, com prejuízo de $30m. A empresa estimava $40m de faturamento para os três primeiros meses de 2019, ou um faturamento anual de c.$160m. No final do pregão seu valor era de $66 dólares, a maior valorização em um dia de qualquer ação desde 2008, terminando o dia valendo $4.2bi. A empresa chegou a um auge de $15bi de valor de mercado no meio de 2019.
No mesmo ano, o banco Barclays previu que o mercado de carne feita de planta chegaria a $140bi na próxima década. A Bloomberg fez uma reportagem dizendo que carne feita de planta era “a coisa mais quente em comida”, o The Guardian disse que o produto já tinha se tornado “mainstream” e o The Washington Post afirmou que carne feita de planta estava causando uma “revolução”.
2022 e o Choque de Realidade
Para um investidor focado em crescimento, entrar numa empresa com receitas pequenas não é necessariamente um problema. Se o mercado potencial for grande o bastante, o crescimento pode justificar investir numa empresa a múltiplos mais altos que a maioria dos investidores não estaria disposto a pagar. A questão chave é crescimento. No caso da carne feita de planta, não adianta o mercado de carne valer $1.4 trilhões, o que importa é quanto o mercado de carne feita de planta esta expandindo. O problema é que o setor parou de crescer. Essa tendência começou no meio de 2021, mas acelerou em 2022.
Volume de vendas de carnes feitas de planta nos Estados Unidos
Para um investidor de crescimento, não existe nada pior do que sua empresa e a categoria como um todo encolher. Vento a favor alimenta esta estratégia de investimento. O que aconteceu?
1) O preço da carne feita de planta impede maior penetração: uma análise do Good Food Institute, um think thank focado em carne feita de planta, mostrou que na média, o preço deste produto é de 50% até 200% mais caro que o seu equivalente “normal”. Os ganhos de escala do setor ainda estão à anos de de trazerem o preço para um patamar competitivo. Num cenário inflacionário em que o mundo está vivendo, isso gera uma pressão no consumidor que diminui seu interesse no produto.
Preço por kilo de carnes e carnes feitas de planta (em azul e vermelho)
2) Questionamentos sobre o valor nutricional do produto: produtores de carne, grupos anti-GMO (Organismos Geneticamente Modificados) e especialistas em comidas escalaram seus ataques na categoria de carne feita de planta, rotulando-a de “não-natural” e “ultraprocessada”. Esses argumentos tem forte efeito nos early adopters, dado que são consumidores preocupados com a saúde. É recorrente, em todos os segmentos da população, o desejo de comer menos comida processada. Aqui entra um ponto de difícil explicação e que me frustra sobre esse tema. Faltam definições mais específicas. O que quer dizer ultraprocessado? É difícil encontrar duas pessoas que dão a mesma definição. No fim das contas é um jogo de marketing e narrativa, em que um lado não precisa provar que o outro está errado, basta criar o questionamento que o outros não esta.
Carta Pública de um Competidor para a Beyond Meat e Impossible Foods
3) Qualidade do Gosto: eu sempre achei o conceito de carne feito de planta estranho. É um produto que se propõe a copiar o gosto de outro. Qual a verdade deste produto? Deixando a filosofia de lado, o ponto aqui é simples. Carne feita de planta tem gosto parecido, mas não igual ao da carne original. Sabor é algo importantíssimo na tomada de decisão de compra. Pesquisas indicam que equivale a 50% da decisão. Se o gosto for diferente, o consumidor pode até tentar experimentar a carne algumas vezes pelas questões acima, mas com o tempo vai abandonar o produto.
Fala a verdade, você compraria o Impossible Burger olhando essa foto? Ah, não sei se percebeu, mas o preço é 50% mais alto que o da Prime Burger…
Também não ajudou o setor uma certa comoditização com o lançamento de diversas novas empresas, algumas com produtos de qualidade duvidosa.
4) Perda de momentum: no jogo de marketing e narrativa, a indústria de carne feita de plantas definitivamente perdeu a mídia. Depois de anos sendo apoiada, o tom das reportagens deu uma volta de 180 graus, passando a atacar o setor. Os mesmos Bloomberg, The Guardian e Washington Post divulgaram reportagens contrárias à indústria. Até o próprio Barclays mudou suas revisões. Do lado da indústria, diversas empresas diminuíram ou cancelaram seus projetos ligados à carne feita de plantas.
5) Investidores acordaram: uma empresa de carne tem margem bruta mais baixa que uma empresa de software. Também possui Capex mais alto. É um negócio de átomos, não bits, em que eficiência operacional é fundamental. Vendem um produto que converge para a commoditização, ou seja, compressão de margem. Por fim, tende a ser avaliada em múltiplos de EBITDA ou lucro. Durante a bolha dos últimos anos as empresas de carne de planta foram avaliadas em múltiplos de receita semelhante ao de empresas de software. Além do valuation errado, a percepção de risco e execução também estava. A tempestade perfeita de 2022 para empresas de empresas de crescimento no mercado público, fez os investidores perceberem o óbvio. A Beyond Meat, única empresa listada do setor, desvalorizou 77% desde o IPO e mais de 90% do seu auge.
E agora? Para onde o setor vai?
No mesmo patamar de preço e com o mesmo gosto, uma boa porcentagem de consumidores escolheriam carne feita de planta em detrimento da original. De acordo com pesquisas recentes, esse percentual fica entre 23 e 27% para o mercado americano. Em outros mercados, esse valor em geral é maior, ficando na média em 40%. O ponto é, existe demanda, o que falta são empresas que estão no nível de tecnologia e escala necessária para entregar algo nesse patamar.
O que o setor precisa é de inovação, o que inclui capital muito paciente, algo que os VCs não são. Atualmente, acredito que apenas Governos e algumas empresas tem capacidade de sustentar investimentos nesse tipo de produto. Adicionalmente, no jogo de narrativa, é preciso calibrar as expectativas. Entregar o que se promete.
Quando um setor recebe capital de VCs e acaba frustrando-os, existe uma ressaca que demora de 5 a 20 anos até que se tente novamente. Isso aconteceu com Climate Technology no meio dos anos 2000, vai acontecer agora com carne feita de planta. Aos empreendedores que querem criar algo no espaço e investidores comprometidos com a missão, a oportunidade existe, mas é apenas para aqueles que sabem que algo ambicioso e transformador como mudar um hábito de milhões de anos vai custar tempo e dinheiro.
Grande abraço,
Edu
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