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Foto do campus da GSB

 

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Dando o disclaimer, o texto de hoje foge um pouco da pauta tradicional de empresas de tecnologia do bsb.

Se você tem apenas um minuto, isso é o que você precisa saber do texto de hoje:


  • Mesmo sendo numa faculdade localizada no centro do Vale do Silício, a aula mais popular do MBA de Stanford não é sobre inovação, novas tecnologias ou como criar uma empresa, mas sim sobre como se relacionar melhor com as pessoas

  • Sua meta é ajudar os alunos a construírem mais relacionamentos excelentes, seja com suas famílias, sócios, amigos ou colegas

  • Feedbacks que apontam comportamentos e as emoções que são causadas por eles são os mais fortes

  • Feedback é um presente


E aí, como é Stanford?

As perguntas mais frequentes que recebo são sobre a experiência de ter estudado na Stanford Graduate School of Business (“GSB”). Talvez um dia eu faça um artigo apenas de Perguntas e Respostas sobre isso, de forma a deixar o conteúdo democraticamente disponível. Seria algo assim:

  • Qual foi a melhor coisa de lá? R: conhecer minha esposa.

  • Valeu a pena? R: sim, vide resposta acima.

  • Qual foi o maior aprendizado? R: que nós brasileiros somos tão bons quanto qualquer pessoa do mundo. Nos falta confiança de ir lá e fazer. Eu precisei ficar frente a frente com os melhores para aprender isso.

  • Faz sentido fazer MBA nos dias de hoje? R: A verdade é que fez muito sentido para mim, mas é uma decisão pessoal acima de tudo. Deixe as ambições profissionais um pouco de lado na hora de decidir.

  • Qual a melhor aula? R: apesar de ser uma questão de opinião, existe uma aula que tem sido votada a mais popular fazem 45 anos. Estou falando de Interpersonal Dynamics, carinhosamente apelidada de, “Touchy Feely”, que o Google me informou que em português significa “Sensível”.

Aprender a ser sensível?

Bom, é mais ou menos isso. Vamos dar um passo para trás. No primeiro dia, na primeira aula, a primeira frase do MBA de Stanford resume a filosofia do curso: “O feedback é um presente”. Essa afirmação desafia o senso comum. Normalmente as pessoas pensam em feedback como algo estressante, confuso e indesejável. Na verdade, um feedback bem dado não deveria gerar stress ou confusão, mas sim ser algo bem-vindo. Feedbacks são data points sobre o seu comportamento e a resposta que as pessoas tem sobre o mesmo.

O desafio é que criar uma cultura receptiva à feedback numa turma de 400 alunos de backgrounds tão diferentes não é fácil. Sendo assim, a GSB é muito intencional em criar um ambiente propício a isso. Da seleção dos alunos ao design do campus, a atmosfera desejada é uma de abertura, confiança e aceitação. Ajuda também o fato da Califórnia ter um clima ótimo.

A Cultura da GSB

Com o lema “Mude vidas, mude organizações e mude o mundo”, a GSB possui uma cultura especial, calcada nos seguintes valores:

  • Empreendedorismo: a proximidade com o Vale do Silício promove uma ênfase em inovação e criação. Os estudantes são encorajados a desenvolver soluções para problemas do mundo real. No dia a dia isso se traduz em não focar sobre como se tornar o número 1 de uma organização, mas sim em como criar um projeto do zero. O mundo precisa de soluções. Quem vai criar elas? Vários professores também são empreendedores e investidores. Esse é um valor não apenas do Vale, mas da Califórnia como um todo. Longe da Costa Leste, onde os Estados Unidos começou, existe uma certa vibe/pegada/tema/sentimento de desbravamento e buscar o novo. Exemplos não faltam, até mesmo nos alunos da América Latina: a maior empresa do continente, o Mercado Livre, foi fundada por alunos do Stanford MBA, assim como a segunda maior empresa de tecnologia da região, o NuBank.

  • Colaborativa: as pessoas reagem a incentivos, no caso da GSB, um dos mais fortes é o “Grade Non-disclosure”. Esta é uma decisão tomada pelos estudantes e respeitada pela faculdade. Em resumo, nenhum empregador tem o direito de perguntar aos alunos qual a sua média ponderada como critério de contratação. Os alunos, caso sejam perguntados, não respondem a essa pergunta e podem reportar que a empresa X está agindo contra o código de ética da faculdade. O produto dessa regra auto imposta é mais colaboração e menos competição. A GSB também faz a sua parte: os 10% melhores alunos, chamados de “Arjay Miller Scholar”, apenas descobrem que conseguiram essa premiação no dia da formatura, depois que o recrutamento já acabou.

  • Intimista e Cooperativa: a turma da GSB tem metade do tamanho das turmas de outros MBAso. Os alunos conseguem se conhecer, o alumni é responsivo e os professores conseguem agir como mentores.

  • Interdisciplinar, Flexível e Global: os alunos podem fazer aulas em qualquer das escolas de Stanford. São 7: Negócios, Sustentabilidade, Educação, Engenharia, Humanidades, Direito e Medicina. Existe uma oitava, a de Design, mas não é uma escola oficial. O currículo fica bem flexível depois do primeiro trimestre, com os alunos escolhendo suas aulas. Por fim, 30% da turma é de alunos estrangeiros e é parte obrigatória do curso fazer viagens internacionais, organizadas pelos alunos e professores, para conhecer outros países. Eu, por exemplo, fiz um estágio na Inglaterra e um intercâmbio na China.

  • Mentalidade de crescimento e Experiência Prática: só fazendo exercícios que nosso corpo fica em forma. É possível aprender muito com o erro e o acerto, mas só aprende quem se propõe a fazer. A GSB tem muitas aulas práticas, em que os alunos desenvolvem projetos, discussões, negociações, simulações, experiências imersivas.

  • Responsabilidade: a quem muito foi dado, muito será cobrado. A GSB constantemente relembra os alunos do privilégio que é cursar um MBA que aceita menos de 5% das pessoas que prestam e dá a elas acesso quase que infinito há tudo que a faculdade tem para oferecer.

São valores idealistas e até meio inocentes? Sim! Mas funciona. Essa cultura especifica da GSB cria o contexto para que uma aula como Interpersonal Dynamics seja ensinada com seu máximo potencial.

E a tal da Touchy Feely?

Touchy Feely é uma aula focada no desenvolvimento de habilidades interpessoais, auto-conhecimento, inteligência emocional e comunicação efetiva. Dado que é ensinado numa faculdade de negócios, existe um foco em contextualizar esse aprendizado em situações de liderança e dinâmicas de equipe. A sua popularidade deriva do fato que ela é considerada uma das aulas mais transformadoras e impactantes do MBA, podendo afetar diversos aspectos da vida do aluno.

A aula usa uma mistura de psicologia, comportamento organizacional e experiência prática. O objetivo dela é proporcionar aos alunos uma compreensão profunda do seu próprio comportamento e de como ele influencia os outros, bem como de como navegar em situações interpessoais complexas que surgem em ambientes profissionais e pessoais.

A aula dura por um trimestre e é uma das mais exigentes em termos de carga horária e leitura. Os alunos também mantêm um diário com as suas reflexões do que esta acontecendo tanto na aula quanto nas sessões em grupo. É até mesmo mais cara que as demais do MBA, pois exige muitos facilitadores presentes, dois para cada 12 alunos, e os alunos passam um final de semana num hotel fazendo aulas por quase 12 horas todos os dias.

A parte central da aula são os T-Groups. “T” vem de Treinamento. Cada grupo tem 12 alunos. Cada grupo faz são sessões de aprendizado experimental em que os participantes e facilitadores engajam em uma série de conversas que duram longos períodos de tempo (de algumas horas a dias inteiros). Cada sessão tem temas como “influência” e “poder”, mas rapidamente progride para temas mais profundos e com mais substância. À medida que intimidade é criada dentre os membros do grupo, o aprendizado se aprofunda.

Se parece estressante, é porque é, esse é o ponto. Nenhum e muito stress são ruins para o aprendizado, mas na medida certa, ajuda.

Fonte: Ed Batista

A Rede

Condensar o aprendizado de Touchy Feely em um texto como esse é tarefa impossível, então vou focar no que considero mais importante. O feedback tem muita força quando é sobre comportamento e ancorado em uma emoção. “Quando você faz X, eu sinto Y. O ponto chave é que o Y tem que ser uma emoção.

Muitas pessoas erram ao não saberem o que é de fato uma emoção. Por exemplo, vamos analisar a frase abaixo:

Quando você faz X, eu sinto como se você não se importasse comigo”.

Essa é uma frase fraca, pois não utiliza uma emoção, mas de uma presunção. A pessoa que disse a frase está tentando advinhar o que a outra pessoa esta pensando (“não se importar com ela”). Isso não é uma emoção.

A resposta pode ser simples e forte: “Você está errado. Eu me importo com você

Agora, se a frase fosse: “Quando você faz X, eu me sinto triste”, fica muito difícil para a pessoa rebater. Dizer algo como “Você está errado. Você não está triste” é uma resposta fraca e paternalista.

A teoria por trás desse exercício é o que chamamos de rede. Imagina que quando duas pessoas conversam, elas estão numa quadra de tênis. Do seu lado estão os seus pensamentos, que a outra pessoa não consegue ver. Do lado dela, estão os pensamentos dela, que você não consegue ver. A rede da quadra são os nossos comportamentos. Nós nos comunicamos via nossos comportamentos: o que falamos, o tom que usamos, a gesticulação das mãos, se interrompemos ou deixamos o outro falar e assim por diante.

Fonte: Ed Batista

Para dar um bom feedback, este precisa ser baseado em comportamentos observados. É o tal do “Quando você faz X”. Da mesma forma que o Y precisa ser uma emoção, o X precisa ser um comportamento. Outro exemplo:

Quando você me desrespeita, eu me sinto triste”. A resposta pode ser simples e forte: “Eu não estou te desrespeitando”. Desrespeitar não é um comportamento. É a intenção de um comportamento, o que como falamos acima, é impossível de sabermos com 100% de certeza e portanto, uma frase fraca.

Reformulando-a: “Quando você me interrompe, eu me sinto triste”. Essa é uma frase difícil de se rebater e provavelmente fará a pessoa que a recebeu repensar o comportamento de interromper o outro.

Quando vamos dar feedback ou participar de uma discussão, precisamos nos basear em comportamentos e utilizando emoções. Cruzar a rede do outro é algo que fazemos recorrentemente, ninguém é perfeito. A chave está em aprender a identificar quando fazemos isso e ajustar.

Isso é um típico aprendizado de uma sessão de Touchy Feely. O ponto é que aqui estou escrevendo a teoria, no T-Group vivemos a prática. Exercícios e discussões seguidos de feedbacks. Como diria um grande amigo do MBA “Edu, essa aula é tiro, porrada e bomba. É quebra pau pra tudo quanto é lado”.

Foto do Mural das Formas de Mudança no Campus da GSB

 

Críticas

Um curso com a ousada proposta de Touchy Feely também tem seus detratores. A aula é dada no segundo ano, um período em que vários alunos estão definindo seus próximos passos profissionais. Um período estressante. A aula pode ser um peso emocional pela sua intensidade. O background cultural dos alunos é tão diferente que o formato T-Group pode não funcionar tão bem para todos. O que é um problema, pois a aula precisa que os participantes de um T-Group evoluam numa certa velocidade conjunta.

A crítica mais comum que ouço é que falta um aprendizado mais concreto. Enquanto numa aula de negociações você aprende a negociar, o que pode te ajudar no dia seguinte em que estiver negociando uma oferta de emprego, em Touchy Feely você está mirando uma mudança mais profunda que toque múltiplos aspectos da vida da pessoa. São várias pequenas mudanças que compõem umas às outras, mas identificar o que exatamente você está fazendo de diferente no momento em que ocorre pode ser mais difícil.

Quote do fundador da Nike na entrada do campus da GSB,

 

Touchy Feely fora de Stanford

Replicar um curso como Interpersonal Dynamics em outras faculdades requer planejamento cuidadoso, colaboração entre os professores e administradores e principalmente um comprometimento para criar uma experiência de aprendizado transformadora. O lado bom é que o conhecimento técnico está disponível.

David Bradford e Carole Robin, a última foi a minha professora de Touchy Feely, escreveram um livro que sintetiza os aprendizados da aula. Uma leitura muito boa para quem quer conhecer mais.

O Professor Ed Batista também colocou em seu site o conteúdo prático utilizado em suas aulas. Por fim, tem uma reportagem de 3 minutos aqui que resume bem.

Por fim, queria fazer um convite a alguma faculdade, editora ou professor que quiser trazer esta brilhante aula para o Brasil, me disponho a ajudar. Com certeza nosso país se beneficiaria pelo menos de uma tradução do livro Connect em português.

Grande abraço,

Edu

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