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Caso tenha apenas um minuto, segue o resumo do texto de hoje:
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O Marechal-do-Ar Casimiro Montenegro Filho, fundador do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (CTA) é um dos grandes exemplos de brasileiros estadistas que temos
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Sua visão era que “se um dia o Brasil quisesse fabricar aviões deveria, antes, fabricar engenheiros e técnicos”. Esse foi o racional para a criação de um MIT brasileiro
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Montenegro foi defensor fervoroso da ideia de uma escola de excelência no Brasil que servisse ao país como um todo, não apenas ao ministério da aeronáutica
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O ecossistema CTA + ITA + Embraer é um dos grandes cases de sucesso de cooperação entre academia, governo e iniciativa privada da história do Brasil, dando origem a uma indústria de alta tecnologia competitiva globalmente
Deixo aqui em também o meu agradecimento ao Fernando Morais por ter escrito a bela biografia do Casimiro, que recomendo. Segue o link para quem para quiser se aprofundar.
Vamos falar do Brasil
O principal feedback construtivo que recebo dos leitores é que escrevo pouco sobre empresas brasileiras. O motivo é simples: eu gero mais valor trazendo perspectivas sobre empresas menos conhecidas localmente. Estas tendem a ser internacionais. Tem mais analistas cobrindo o MercadoLivre no Brasil do que OpenAI, Epic Games ou SpaceX.
Eu penso no bsb como diferentes séries contínuas de artigos, que se entrelaçam e conversam entre si: os temas variam de IA, empresas chinesas, tendências, grandes empreendedores, etc.
Hoje começa a série sobre o Brasil. Antes de falarmos sobre empresas em específico, precisamos falar das instituições e isso começa com as pessoas que as fundaram. Não vejo melhor forma de começar do que trazendo mais luz para a história do idealizador de um dos maiores exemplos de que o Brasil pode dar certo: o Marechal-do-Ar Casimiro Montenegro Filho, fundador do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (CTA), instituições que foram o embrião da Embraer.
Marechal-do-Ar, Casimiro Montenegro Filho
Cearense, Aviador e Aventureiro
Se você esta preocupado que a história de um militar é algo chato, se prepare! Nascido em Fortaleza, Casimiro foi o décimo filho de uma das famílias mais tradicionais do Ceará. Desde cedo tinha o sonho de ser um aviador. Seguiu pela carreira militar e se formou com a primeira turma da Aviação do Exército, um grupo de jovens que daria um grande impulso na nascente aeronáutica brasileira.
Montenegro começou a demonstrar sua veia empreendedora e desafiadora do status quo na Revolução de 30. Alinhou-se ao movimento tenentista, que almejava construir um país moderno, aberto à industrialização e ao progresso. Ele “pegou emprestado” um avião no Campo dos Afonsos, voou até Belo Horizonte, para se apresentar ao governador de Minas Gerais. Montenegro foi o único membro da Aviação Revolucionária e fez sozinho várias operações de ataques às forças leais ao Presidente da República, Washington Luiz. Com a vitória do movimento revolucionário, retornou à carreira militar cheio de idéias e projetos.
Num país continental como o Brasil, a aeronáutica tem papel fundamental de unir os pontos distantes do país. Esse objetivo começou a tomar forma em 1931, com a criação do Correio Aéreo Nacional. E quem se voluntariou para fazer o primeiro voo? O próprio Montenegro, que era de longe o mais entusiasmado com o projeto.
Ele fez a rota Rio-São Paulo numa viagem emocionante. Já com o dia escurecendo e o combustível no limite, enfrentando ventos contrários e uma temperatura de zero grau, sem conseguir achar a rota para o Campo de Marte, onde pousaria, ele se viu obrigado a aterrissar o monomotor onde fosse possível, e pousou no meio do Jockey Club de São Paulo. Ele saltou os portões, tomou um táxi e entregou a correspondência na sede dos Correios.
Nos anos seguintes Montenegro desbravou novas rotas de voo e construiu campos de pouso. Percorreu o Brasil, viajando de automóvel, trem, cavalo e barco. Seu trabalho envolvia uma boa dose de convencimento às autoridades locais sobre a importância das pistas, escolha de locais apropriados e todos os muitos detalhes que envolviam a conexão ao Correio Aéreo Nacional. Seu jeito calmo, charmoso e conciliador, criticado pos vários militares, seria importante na criação do ITA.
Modelo do Avião que Montenegro usou. Fonte: Fedozzi em panoramio
O Estudante
Em 1938, Montenegro matriculou-se na primeira turma do curso de Engenharia Aeronáutica no RJ. Ele se formou em 1941, mesmo ano em que foi criado o Ministério da Aeronáutica, da qual é considerado um dos fundadores.
Durante a Segunda Guerra Mundial, ele teve a chance de ir aos Estados Unidos várias vezes, trazendo novos aviões para o Correio Aéreo ou fazendo treinamentos.
Na época, a Aeronáutica enviava pilotos e engenheiros para treinar nos EUA. Para quem viajava, era uma experiencia excepcional, que trazia um conhecimento não disponível no Brasil, garantia progresso na carreira, além de ganhos financeiros. Já para quem enviava o profissional, este ganhava a lealdade de uma pessoa de potencial. Todo mundo ganhava.
O problema é que este arranjo olhava o mundo de uma perspectiva pequena. O custo era alto, não tinha escala e colocava o Brasil em posição secundária, de consumidor ao invés de produtor de conhecimento. Nas palavras do próprio Montenegro: “se um dia o Brasil quisesse fabricar aviões deveria, antes, fabricar engenheiros e técnicos”.
É com esse pensamento que Montenegro começou a se diferenciar de seus pares. Mesmo se beneficiando do arranjo que existia, ele via a necessidade de caminhar para uma solução melhor para o Brasil. Em uma destas viagens ele visitou Boston, conheceu o MIT e ficou fascinado. Seu sonho passou a ser que o Brasil tive-se algo semelhante.
MIT
Plano Smith
Montenegro era um dos poucos que via a necessidade de criar uma escola de Aeronáutica no Brasil. Dentro deste pequeno grupo, ele era ainda mais minoria, pois sua visão era de esta fosse uma escola abrangente. Na época, existiam duas opiniões:
A primeira era de criar uma escola inspirada no Wright Field, que formaria profissionais para o próprio ministério da Aeronáutica. Isso fazia sentido pois a escola seria financiada pelo ministério, então o próprio é quem deveria se beneficiar do “produto final”, neste caso profissionais bem formados.
Montenegro era um defensor fervoroso de uma segunda corrente. Para ele, o ministério estava muito bem posicionado para criar algo que pudesse servir ao Brasil inteiro. O dinheiro de um ministério não é do ministério, mas sim do Estado, ou melhor dizendo, da população brasileira. Se fosse possível criar uma escola de qualidade, por que não fazê-la aberta? Isso queria dizer criar uma Universidade que qualquer um pudesse cursar e que formasse profissionais para o setor público e privado.
Ele se colocava como alguém com pensamento diferente, muito mais na linha de um estadista do que de um burocrata. Isso é raro. Até mesmo hoje em dia é muito comum ver pessoas dentro do governo, de todo os espectros políticos, que acreditam que este deveria servir a si mesmo.
Seu pensamento era avançado. Numa época em que o Brasil não tinha qualquer tipo de indústria, em que se importava até pinico, lá estava ele querendo criar um MIT brasileiro! Era um plano muito ambicioso.
Dentre os opositores desse projeto estava o Marechal Eduardo Gomes, amigo de Montenegro, a quem nosso protagonista tinha ensinado a voar anos antes e que viria a ser proclamado como patrono da Aeronáutica brasileira. Na sua opinião, enviar os profissionais para os EUA funcionava bem.
Voltando ao Brasil, Montenegro começou a trabalhar arduamente para traçar os planos de seu sonhado projeto e convencer seus superiores. Em 1945, ele tentou se encontrar com o Prof. Richard Smith, que chefiava o Departamento de Aeronáutica do MIT e era consultor do Presidente americano nessa área. O encontro não ocorreu, mas Montenegro escreveu a ele uma carta pedindo o apoio do MIT para criar um centro técnico de aeronáutica no Brasil.
O Prof. Smith se apaixonou pela ideia e se ofereceu para vir ao Brasil ajudar a desenvolver o projeto. Ele se mudou para um dormitório numa base brasileiro e é preciso ressaltar o papel que ele teve no nascimento do ITA, ocupando o cargo de primeiro reitor. O plano desenvolvido por ele e Montenegro recebeu o nome de “Plano Smith”.
Responsáveis pelo projeto e maquete do CTA/ITA
A ideia era criar um Centro Técnico de Aeronáutica (CTA), que teria um braço acadêmico, o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). O modelo escolhido foi o do MIT. A cidade seria São José dos Campos, devido à sua posição geográfica, às margens da futura rodovia Rio – São Paulo, suas condições climáticas bastante favoráveis e uma topografia plana. A cidade contava também com boa disponibilidade de energia e a proximidade com a cidade de São Paulo e o porto de São Sebastião.
Um dos principais valores do plano era independência. A meta era que o Brasil se tornasse independente de países estrangeiros no tema de Aeronáutica. Nesta mesma linha, o plano apontava a importância da escola de engenharia ser autônoma, com total liberdade para traçar seus cursos. O plano foi aprovado e em paralelo com as construções, o Prof. Smith liderou as negociações para trazer professores e assistentes internacionais.
Montenegro enfrentou desafios logísticos e burocráticos para adquirir terrenos, construir edifícios e equipar laboratórios. O processo foi longo e exigiu muita persistência, negociação e planejamento cuidadoso. Isso sem contar com a resistência dentro do próprio ministério: alguns consideravam a ideia muito disruptiva, outros que não teria demanda para engenheiros aeronáuticos, por fim não havia clareza se o investimento se pagaria no longo prazo.
Eu apenas consigo imaginar a quantidade de desafios burocráticos que Montenegro teve que vencer. Para ficar em um exemplo bobo: o Prof. Smith era alto e a cama do seu dormitório deixava uns 15cm de perna para fora. Ele pediu à Montenegro que ajudasse a fazer uma cama maior. A equipe administrativa disse que isso era impossível. Foi um vai e volta de algumas semanas, até que Montenegro, com seu bom humor e forma jeitosa de contornar situações, escreveu um ofício: “Favor levar o Prof. Smith à marcenaria e serre 15cm de sua perna para que esta caiba na cama”. Imediatamente foi produzida uma cama maior.
Depois de anos, o sonho virou realidade, com a inauguração do CTA e ITA. A primeira turma de alunos se formou em 1954, tendo Montenegro como paraninfo.
Instituto de Tecnologia da Aeronáutica
Centro de Excelência
Mais importante que a infraestrutura e os professores, foi a cultura que Montenegro e Smith implantaram. No ITA, o foco do processo educativo é o aluno. As salas de aula são pequenas, para que o professor possa se dedicar com mais atenção a cada um.
Os alunos vivem no ITA em período integral, nos cinco anos do curso, e cada um tem um professor-conselheiro, que o assiste em vários aspectos de sua vida, não só nas atividades diretamente relacionadas ao curso. Uma das atitudes importantes criada por Montenegro foi a norma de não colar nas provas. Isso acontecia sem fiscalização, pois quem cuidava desta norma eram os próprios alunos, baseados no importante elo de confiança mútua que formavam com os professores e entre si. Esse código de honra, comum nas universidades americanas de excelência, era inédito no Brasil.
Pelos motivos acima, somado à excelência de seus professores, o ITA criou fama e seu exame de admissão passou a atrair candidatos de todos os cantos do pais.
Com os anos, o ITA foi pioneiro em diversas áreas, como nas telecomunicações, no uso do álcool como combustível, na utilização de reator nuclear em pesquisas e na construção do primeiro computador brasileiro. Isso sem falar na Embraer, que nasceu da “costela” do ITA e CTA, atualmente uma das maiores fabricantes de aeronaves do mundo e um orgulho nacional, com cerca de 20 mil funcionários e valor de mercado acima de R$10bi.
O sucesso do modelo influenciou a orientação do ensino superior no país. Teve reflexos ainda na composição do novo currículo do curso de engenharia aprovado em 1976. A pós-graduação do ITA, estruturado no modelo americano, também foi pioneiro no país e influenciou a pós-graduação brasileira.
Disclaimer: como a maioria dos leitores sabe, eu fiz Poli-USP e não ITA, então me reservo o direito de que caso tenha colocado algum detalhe errado, vou prontamente corrigi-lo caso identificado.
Os Homens que pensam pequeno
Nas décadas de 50 e 60, enquanto Montenegro criava um estabelecimento de excelência científica, diversos militares estavam se dedicando à política e na busca da disciplina pela disciplina.
O melhor exemplo disso é o marechal Eduardo Gomes. Expoente do movimento tenentista, duas vezes candidato a Presidência da República, ele foi durante décadas o homem mais poderoso da Força Aérea Brasileira e amplamente respeitado no meio miltar. Enquanto Montenegro se preocupava em montar um empreendimento de alta tecnologia, com grandes mestres e equipamentos de ponta, o marechal Eduardo alinhava-se ao segmento mais conservador da Força Aérea. Quando pensava no ITA, sua maior preocupação era saber se os alunos arrumavam corretamente as suas camas. Ele já havia sido contrário a diversas iniciativas e projetos do CTA.
Montenegro diria anos depois, com sua costumeira polidez, que o Marechal Eduardo não entendia o impacto da tecnologia.
Com o início da Ditadura militar em 1964, Montenegro tentou posicionar o instituto como uma “ilha” dedicada ao ensino e à pesquisa. No entanto, como o ITA envolvia um elevado número de alunos, professores e oficiais, havia ali também opiniões e teses de diversas correntes. Como resultado do tenso momento político, doze alunos foram desligados, dois professores afastados, e outros resolveram sair espontaneamente.
Montenegro se deparou então com um amigo que havia se transformado em um intransigente ministro da Ditadura. Eduardo determinou a sua substituição na direção do CTA em 1965, movendo-o para a reserva, de forma humilhante. Foi o início da intervenção do Governo militar no ITA, algo que ia na direção oposta do que pregava Montenegro e o Plano Smith.
Montenegro perdeu a batalha, mas o futuro mostraria que ganharia a guerra.
Legado
Casimiro Montenegro faleceu em 2006, deixando um legado duradouro no campo da engenharia aeroespacial no Brasil. Sua visão e determinação possibilitaram a formação de engenheiros altamente qualificados e contribuíram significativamente para o desenvolvimento tecnológico do país.
A Ditadura foi um período dificil para o ITA, mas sua cultura de excelência sobreviveu. O ecossistema CTA + ITA + Embraer é um dos grandes cases de sucesso de cooperação entre academia, governo e iniciativa privada da história do Brasil, dando origem a uma indústria de alta tecnologia competitiva globalmente. O ITA continua a ser uma referência na formação de líderes e inovadores, expandindo o trabalho iniciado por Montenegro há mais de 70 anos.
Sua vida e realizações são uma inspiração para gerações futuras de estudantes de engenharia, que buscam seguir seus passos em busca de excelência e inovação. Montenegro mostrou que num país difícil como o Brasil, é possível sonhar com projetos ambiciosos. Temos talento, o que falta é criarmos um ambiente para que estes floresçam. Imaginem se tivessemos 10 Montenegros? 10 ITAs e Embraers? E se o próprio Montenegro não tivesse sua trajetória cortada no meio do caminho? O Brasil seria um pais diferente, provavelmente muito melhor para mais pessoas.
Um toque pessoal
Eu li a biografia do Marechal Casimiro logo que saiu, em 2006. Foi uma grande inspiração e serviu de exemplo quando comecei o projeto que viria a ser o Amigos da Poli. Se uma pessoa, numa época em que o Brasil não tinha indústria, conseguiu criar um MIT brasileiro, tinha que ser possível criar um Fundo de Endowment brasileiro no século XXI! Ao Marechal Casimiro, fica aqui meu agradecimento pela inspiração! O mínimo que posso fazer é dedicar este texto a você e fazer que a história desse herói brasileiro seja mais conhecida.
Você me fez acreditar que o Brasil pode dar certo, apesar das dificuldades e das pessoas de visão limitada.
Grande abraço,
Edu
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