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Oi pessoal, tudo bem? Semana passada tive um problema de saúde e não teve artigo, sendo assim o Metaverso fica para a semana seguinte.


🤗 Twitter: o ano de 2022 acabou com a exuberância de 2020-21. O que teremos agora é o início de um novo ciclo, com oportunidades e desafios.

👍🏻 Nutella:

  • Performance negativa, queda da liquidez, demissões, colapso em crypto, mudança nos grandes fundos, o ano de 2022 não foi fácil para nosso ecossistema.
  • Além disso vimos a quebra do mito do empreendedor “super-homem” e do investidor genial.
  • Entramos num novo ano com diversas oportunidades, mas num cenário mais adverso, em que teremos que calibrar as expectativas.

👊🏻 Raiz:

O ano de 2022 foi horrível para o setor de tecnologia.

1) Performance das empresas listadas

Até o dia 13 de dezembro, os principais índices de ações de tecnologia apresentam forte queda no ano:

  • Índice Nasdaq: -29.6%
  • BVP Emerging Cloud Index: -48.6% -> focado nas principais empresas de software as a service
  • MSCI China Tech: -34%
  • Ark Innovation ETF: -64.3% -> famoso ETF focado em empresas de tecnologia e inovadoras

Não que isso seja exclusivo das empresas de tecnologia. O S&P 500 está -17% no ano. No entanto vale lembrar que no caso de empresas de tecnologia o preço da ação afeta a performance da companhia, dado que boa parte da remuneração dos funcionários se dá por opções. Se o preço cai, as ações valem menos e os funcionários podem se desmotivar, procurar outro emprego, um alto risco para empresas desse setor.

O principal causador dessa correção foi o aumento dos juros americanos. Como já cobri em outro artigo, as empresas de tecnologia possuem duration mais longa, sejam porque ainda tem fluxo de caixa negativo ou porque reinvestem a maior parte dos lucros em novas oportunidades de crescimento, sendo assim, são mais afetadas pelos movimentos de juros.

2) Diminuição da Liquidez

A queda das ações impactou toda a cadeia de financiamento de startups. Com o colapso dos múltiplos, que servem como base para valuation das empresas privadas, os IPOs diminuíram 80% nos EUA comparado com o ano passado e o volume de investimentos em VC caiu pela metade. Já começamos a ver os efeitos mais extremos disso em empresas como Hash e Muni que ao não conseguirem fazer novas rodadas, tiveram que fechar as portas.

3) Demissões nas Big Techs e nos Unicórnios

Num cenário de menor crescimento global, recessão nos EUA, guerra na Europa e quarentena na China, as empresas estão mais cuidadosas com seus custos. As “Big Techs”, grandes beneficiarias dos efeitos da pandemia, contrataram milhares de funcionários, na expectativa que suas receitas continuassem a crescer. Menor crescimento e maior custo do dinheiro as levaram priorizar lucro em favor de crescimento ineficiente. A lista é chocante:

Intel: 24 mil funcionários; Meta: 11 mil; Amazon: 10 mil; Twitter: 3.700; Snap: 1.300; Microsoft: >1000; Shopify: >1000; Lyft: 700; Netflix: 450…

No caso dos unicórnios, o cenário é semelhante. Quase todas as empresas com este título anunciaram cortes, de 5-10-20 e até 40% da força de trabalho.

Esse ponto pra mim é o mais sensível. Já vivi a perda de emprego de perto mais de uma vez e sei o desespero que as pessoas passam.

4) O quase colapso da Crypto economia

Web3/Crypto tiveram em 2022 o seu pior ano. O valor de mercado caiu de US$ 3 trilhões para menos de US$ 900 bi. Diversos projetos implodiram e ainda tivemos a fraude criminosa da FTX. 2022 não foi um ano fácil. A indústria precisa de uma autocrítica e regulação urgentemente.

5) Mudança nos grandes fundos

Tanto o Softbank quanto o Tiger Global tiveram prejuízos e turnovers importantes nas suas lideranças. O Softbank teve prejuízos de US$ 27 bi no 1ºtri, US$ 23 bi no 2º e US$ 7.2 bi no 3º, anunciou que vai diminuir o ritmo de investimentos de forma a fortalecer o balanço. Em termos de turnover, além de Rajeev Misra, head do Softbank Vision Fund e Marcelo Claure, COO do conglomerado, 11 dos 23 managing partners saíram da empresa nos últimos dois anos.

O Tiger Global reportou prejuízos de US$ 20 bi no seu portfólio listado e US$ 22 bi no privado, indo de US$ 100 bilhões em ativos sob gestão no início do ano para US$ 68 bilhões atualmente. O sócio que liderava investimentos em startups, John Curtius, saiu.

As duas empresas foram os principais investidores em empresas de tecnologia, tanto em volume, quanto numero de empresas e “presença de espírito” no ecossistema, na falta de termo melhor.

6) Quebra do mito do empreendedor “super-homem”…

Nos últimos 20 anos no mundo de tecnologia tivemos um movimento intenso em favor do empreendedor, ao custo dos outros stakeholders. Empreendedores foram colocados no centro da atenção. Não que isso esteja errado, eles são a parte mais importante do ecossistema, mas a partir do momento em que os desejos dos empreendedores deixaram de ser a principal prioridade para ser a única, começaram os desequilíbrios:

  • Cláusulas de governança padrão foram abandonadas
  • Diligências encurtadas para não deixar o empreendedor impaciente
  • Investidores e funcionários abrindo mão de direitos garantidos por lei
  • FOMO no controle

Em 2022 isso mudou. Primeiro a mídia nos relembrou dos diversos casos de empreendedores tóxicos: WeCrashed (Adam Neumann), Super Pumped (Travis Kalanick) e The Dropout (Elizabeth Holmes). Depois, à medida que muitas empresas tinham dificuldades em captar novas rodadas, começamos a descobrir casos de fundadores que no auge da bolha venderam dezenas de milhões de dólares em secundárias, em muitos casos dando pouca transparência aos funcionários e sócios de que estavam fazendo isso. Casos como da Bolt infelizmente se tornaram comuns.

Empresas que captaram centenas de milhões estavam demitindo dois meses depois da rodada. Isso foi inicialmente rotulado como algo da “jornada empreendedora”. Depois de “mal planejamento” e “muita agressividade”. A verdade deve ser um pouco de tudo isso.

Por fim, tivemos o caso da FTX. Sam Bankman-Fried pegou mais de US$ 8 bilhões de dinheiro de clientes, que ele não tinha o direito de pegar, diga-se de passagem, perdeu, roubou, gastou e os deixou no prejuízo. Deveríamos esperar que fosse preso no dia em que a fraude ficou pública, mas ficou livre por várias semanas, indo em diversos veículos de mídia contar a sua história e pedir desculpas, apenas ontem sua prisão foi anunciada. Talvez isso seja parte do privilegio em ser um homem branco, americano, formado no MIT, com pais professores de Stanford, que trabalhou em empresas de prestigio, doou dinheiro para os principais políticos e captou com alguns dos melhores investidores do mundo. Quem dera o assaltante pobre da esquina tivesse direito semelhante.

7) …e do investidor genial

Poucas industrias praticam o culto a personalidade quanto a de tech. Existe até mesmo uma lista anual dos melhores investidores do ano, “A Lista Midas”, referente ao mito grego do rei que transformava em ouro tudo que tocava.

Quem ficou em primeiro lugar ano passado foi o Chris Dixon, sócio da a16z, pelo investimento na Coinbase, que fez seu direct listing ano passado valendo US$ 86 bilhões. O fato de a Coinbase ter caído 85% e valer hoje US$ 9.6 bilhões não importa…

Em 2022 vimos os principais investidores amargarem prejuízos bilionários, serem enganados e estarem despreparados para qualquer coisa que não fosse a continuação da festa patrocinada pelo mundo de juros a zero.

Isso me lembra de quando cheguei em Stanford. Nos primeiros dias via colegas de turma formados em Stanford, Harvard, MIT, que trabalharam na Goldman Sachs, Mckinsey dentre outras empresas de prestigio. Eles eram articulados e tinham viajado o mundo. Enquanto isso eu era um rapaz do Grande ABC que nunca tinha morado fora, me sentia inseguro.

No entanto, depois de algumas aulas fui percebendo que de vez em quando um cara ia lá e falava uma besteira, outro uma bobagem e aos poucos a imagem que havia criado foi caindo por terra. Eu era tão bom, e ruim, quanto eles. Na vida o que importa mais é raça e se eu me preparasse e ralasse mais que a pessoa do lado, não tinha nada de especial nela que fizesse com que eu não pudesse supera-la numa aula, competição ou entrevista. Esse foi o maior aprendizado do MBA e nesse ano o ecossistema todo teve uma versão dele. Sim, o pessoal do Sequoia é muito inteligente e com excelente track-record, mas eles também investiram na FTX e fizeram questão de colocar no site deles (texto depois removido), como Sam Bankman conseguiu convence-los, enquanto jogava vídeo game, a colocar mais de US$ 213 milhões numa empresa sediada em Bahamas e sem qualquer tipo de governança.

Em qualquer jogo, seja na vida ou no futebol, temos que respeitar nossos adversários, mas nunca teme-los.

A maneira como racionalizo esse culto ao empreendedor é que na busca por um sentimento de segurança dentro do processo arriscado de construir uma empresa de alto crescimento, desenvolvemos coletivamente um modelo mental em que os fundadores são pessoas especiais, superiores, mais inteligentes/dedicados/nobres que o resto. O ponto é que isso não é verdade. Todas as pessoas são falhas e é exatamente por isso que existem boas práticas de governança que ano após ano continuam a ajudar a criar e distribuir valor.

E agora? Eu escolho ser otimista

Primeiro, precisamos entender que parte da riqueza que foi apagada nesse ano era artificial. Dinheiro nunca foi de graça. O fato de os juros terem ficado perto de zero por tantos anos criou uma bolha especulativa que gerou distorções na sociedade como um todo. Escreverei mais sobre isso no futuro, mas acredito que não compreendemos ainda a magnitude do impacto em nossas vidas ao vivermos por 14 anos com juros tão baixos. Temos que recalibrar nossas expectativas. Mais fácil de falar do que de fazer…

Segundo, a tecnologia vai continuar impactando a vida das pessoas. Basta ver essa semana com o lançamento do IMPRESSIONANTE ChatGPT, solução de Inteligência Artificial que replica diálogos. Temos revoluções acontecendo no campo de IA, Energia Solar, Nuclear, Tecnologia espacial, Biotecnologia e Blockchain. Isso quando olhamos globalmente. No Brasil ainda temos muitos setores no início de sua digitalização.

Para o nosso país, investir em tecnologia não é apenas uma opção, é a única opção.

Precisamos crescer, enriquecer (antes de ficarmos velhos) e apenas faremos isso com ganhos de produtividade que provém na sua maioria de tecnologia.

O novo cenário está trazendo de volta boas praticas de governança, mais racionalidade nas discussões, alinhamento. Menos riqueza imediata? Sim, mas cria os alicerces de longo prazo.

Do ponto do investidor, temos um cenário desafiador. Se por um lado a compressão de múltiplos aumenta o retorno potencial, por outro estamos num cenário mais incerto com maior volatilidade, inflação alta em mercados desenvolvidos, menor crescimento, mais riscos de cauda (ex: ataque nuclear a Ucrânia, invasão de Taiwan), um provável governo desastroso no Brasil nos próximos 4 anos e menor apetite a risco. Seguem algumas áreas que hoje me chamam atenção:

1) Blockchains: apesar da crise, sua adoção continua crescendo.

  • Ethereum: que se tornou a primeira blockchain rentável, a mais relevante e uma forma simples de apostar no crescimento da tecnologia.
  • Solana: depois de ter caído 92%, o segundo principal ecossistema crypto do mundo continua ativo e mostrando força.
  • Arbitrum: solução L2 que ajuda na escalabilidade do Ethereum.
  • Startups: que ajudem na implementação de melhores práticas em temas como KYC, impostos e/ou que tenham usos na economia real.

2) Early-stage:

  • Fundos de VC safra 2023: novas gestoras, com sócios motivados e experiência vão conseguir navegar este ambiente e entregar bons retornos. Única ressalva é para o investidor tomar cuidado e evitar entrar num fundo que se diz novo, mas que esta cheia de empresas super valorizadas da safra de 2022.
  • Empreender: ainda tem bastante dinheiro no mercado e bons profissionais disponíveis. O momento é oportuno. Quem diz isso? Bill Gurley. PS: Tem muita oportunidade em SaaS e Inteligência Artificial no Brasil.

3) Later-stage:

  • Dívida: várias empresas de tecnologia hoje estão com dívidas pagando yields muito atraentes. Além disso, veremos toda uma nova classe de investimentos venture debt florescer.
  • Re-estruturações: a substituição de um acionista por outro não deveria vir as custas da operação da própria empresa. Teremos a oportunidade de salvar boas histórias substituindo parte dos investidores por novos provedores de capital.
  • Listadas: tem empresas que cairam junto com o mercado e ficaram num patamar muito atraente, especialmente em SaaS nos EUA.

Grande abraço, Edu

DISCLAIMER: essa newsletter não é recomendação de investimentos. Seu propósito é puramente de entretenimento e não constitui aconselhamento financeiro ou solicitação para comprar ou vender qualquer ativo. Faça a sua própria pesquisa. Todas as opiniões e visões são pessoais do próprio autor e não constituem a visão institucional de nenhuma empresa da qual ele seja sócio, colaborador ou investidor.