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Estamos num momento de insegurança. As declarações de pessimismo de CEOs continuam, várias demissões em empresas que até pouco tempo atrás eram vistas como disruptoras cujo crescimento não dependia do macro. O mercado crypto continua andando de lado, amargurando queda de 57% desde os auges em novembro/2021. As ações continuam num momento negativo e o dragão da inflação cresce no mundo todo.

Não quero diminuir o momento em que estamos vivendo. Quedas de mercado e demissões são traumáticas. No entanto, num cenário como esse precisamos reforçar nossas convicções. No meu caso, uma das mais fortes é na tecnologia blockchain, seu impacto no mundo e como ela está e vai continuar criando valor social e econômico para milhões de pessoas no mundo não através de especulação, mas dos produtos e serviços que são possíveis devido a sua existência. Sendo assim, segue o texto mais importante do bsb até agora, que está dividido em duas partes.

A Tese de Investimentos em Blockchain: Parte 1

Resumo: o ciclo da tecnologia da informação explica a necessidade de uma nova plataforma computacional focada no amplo acesso a dados. A blockchain é um computador virtual que permite exatamente isso.

A tecnologia da informação evolui em ciclos de expansão, consolidação e descentralização que duram múltiplas décadas. Os ciclos seguem a seguinte lógica: o aparecimento de uma nova plataforma computacional reduz os custos da tecnologia e se torna um padrão. À medida que os custos caem, novas empresas entram no mercado, utilizando este padrão para competir com os incumbentes, pressionando os preços e margens e decentralizando o poder de mercado do incumbente. A queda de preço tem impacto positivo, atraindo novos usuários, democratizando a tecnologia, aumentando o tamanho do mercado e criando oportunidades para novas aplicações aos consumidores. Empreendedoras se movem para servir este novo mercado em que os custos são mais baixos, existe pouca competição e os ganhos potenciais são altos. Em vários casos os empreendedores vão criar novos modelos de negócio, que dificultam ainda mais a competição das empresas estabelecidas.

As novas empresas que conseguem ser bem sucedidas e constroem plataformas de sucesso “em cima” desse novo padrão se tornam os novos incumbentes. Estas tendem a consolidar a indústria ao alavancar sua escala, tanto de ativos quanto de distribuição, para se integrarem verticalmente e expandirem horizontalmente ao custo das empresas menores. Competir nesse novo ambiente se torna caro e as startups tem dificuldade em criar valor, afugentando o interesse dos investidores e matando a inovação vinda de fora.

Começa então a se criar demanda uma nova alternativa de padrão, com baixo custo e aberta. Sendo assim o ciclo se repete: o novo padrão aparece e é adotado, o mercado se decentraliza a medida que novas empresas alavancam as vantagens de custo para competir com o antigo em preço, a criação de valor muda de lugar novamente e assim por diante.

Ok, deixa eu parar com a teoria e dar alguns exemplos: nos anos 50 o transistor colapsou o custo de produção de eletrônicos ao substituir os tubos de vácuo, sendo um interruptor/disjuntor menor, mais barato e mais confiável, dando origem a indústria de computadores moderno, que se consolidou em torno da IBM.

Nos anos 70, o microprocessador (a nova plataforma) colapsou o custo de computadores, juntando todo o poder de processamento numa única peça de fácil produção em massa. Novas empresas nasceram para competir com a IBM, sendo a mais famosa a Apple. Além disso, está inovação tecnológica nos trouxe os PCs, laptops, celulares dentre outros produtos.

O tempo foi passando e a camada do hardware foi ficando mais decentralizada e competitiva (compressão de preço e por consequência, de margens). A criação de valor se moveu para cima, na camada do software. Computadores mais baratos atraíram mais usuários, que criaram nova demanda por serviços de software. A Microsoft, principal empresa de software do mundo, criou um sistema operacional e o distribuiu aos fabricantes. Através desse sistema, ela continuou criando funcionalidades em cima do Windows, consolidando a indústria. Nos anos 90, de centenas de empresas de software para PC, passou a existir de fato apenas uma.

O que desfez essa consolidação foi a Web e o movimento Open Source, em particular o Linux. Veja, o modelo de negócios da Microsoft na época dependia de software proprietário e distribuição de varejo físico (lembra do CD?), que é cara. O Linux, uma plataforma Open Source e a internet permitiram que os usuários pudessem baixar a novos softwares a um custo irrisório. O ciclo se repetiu novamente. Novas empresas vieram para competir com a Microsoft em preço enquanto novo valor foi movido das empresas de software para as redes online.

Vale um breve comentário que esse movimento é muito positivo para os investidores de Venture Capital. A medida que uma nova plataforma surge, aparece também a oportunidade de investir no inicio de uma empresa que vai crescer para se tornar um novo incumbente. Os ciclos de prosperidade do Vale do Silício (uma proxy para a indústria como um todo), seguem o surgimento de novas plataformas computacionais – lembrando que um computador é, de acordo com o grande von Neumann, algo que em 1) É possível escrever código (instruções), 2) Guardar esse código em memória, 3) Executar o código.

Linha do tempo das plataformas tecnológicas

Voltando a nossa história. Entramos então na era da internet e aqui vemos os grandes pensadores de tecnologia dividindo esse período em dois (ou três) momentos.

Web 1.0 (1995-2006)

A primeira fase de internet durou de 1995-2006, democratizando informação. De uma hora pra outra, ao conectar um cabo no computador e ne rede telefônica, era possível acessar qualquer informação que estava na rede. Eu não acho exagero afirmar que a internet foi a invenção mais importante dos últimos 40 anos. Como mencionei no meu primeiro artigo, o grande erro de arquitetura da internet foi a ausência de pagamentos, de um sistema de transferência de valor.

No início desse período, existiam dois possíveis formatos para a internet:

(i) “Information Super High way”, que seria controlada por grandes empresas como Microsoft, Disney, Comcast, AT&T que seriam as únicas que poderiam oferecer conteúdo.

(ii) Internet aberta, em que qualquer empresa poderia publicar informações. Como sabemos, este foi o formato vencedor.

Mas por que? Bem porque era Open Source. E por que o Open Source ganha? Por causa da Lei de Joy. A Lei de que? A Lei de Joy afirma que por mais que muitas pessoas inteligentes trabalhem para a sua empresa, existem mais pessoas inteligentes que não trabalham na sua empresa. Dessa forma, sistemas abertos, com os incentivos corretos, vencem, pois podem recrutar pessoas de qualquer lugar.

Durante este período, os padrões/protocolos eram abertos, descentralizados e governados pela comunidade – exemplos incluem o endereço das máquinas (IP), a lógica usada para o transporte da informação (TCP), a lógica para solicitações de retorno (HTTP) etc. Isso foi muito importante pois as organizações podiam crescer a sua presença na internet sabendo que as regras do jogo não iriam mudar. A NBA poderia abrir seu site, sabendo que o dono da internet não iria proibir sites de basquete. Isso acontece pois não existe uma única pessoa ou empresa que controla o protocolo.

Uma das consequências dessa estrutura aberta, no entanto, foi que a criação de valor não se deu no protocolo. Pra colocar em números: os fundadores do Google, que é uma aplicação que roda em cima da internet, valem cada um mais de $100 bilhões de dólares. O fundador do Facebook tem uma fortuna de ~$70 bilhões de dólares. Enquanto isso o fundador da Internet, Tim Berners-Lee, não tem nem um bilhão para chamar de seu. Ele ofereceu o serviço sem patentes ou royalties, implementando o protocolo através de uma comunidade de desenvolvedores. Um cínico pode dizer também que era impossível na época forçar o pagamento de qualquer royalty, mas essa é outra história.

Esse período levou a criação de empresas como o Google, Amazon, Facebook, LinkedIn, Youtube, eBay, PayPal dentre outros.

Web 2.0 (2006-?)

Se consumir conteúdo era fácil, publicar era mais difícil. Era preciso criar um site, fazer hospedagem, comprar domínio. Diante do aumento exponencial da relevância da internet, empreendedores identificaram grandes oportunidades para criar negócios facilitando e incrementando as funcionalidades disponíveis na época. Esses negócios levaram à segunda geração da internet, a Web 2.0.

Estas plataformas se inseriram entre o usuário e a internet. Ao invés de criadores de conteúdo terem que lidar com a complexidade de administrar uma página, as plataformas introduziram interfaces simples e intuitivas para que qualquer usuário pudesse publicar em seus servidores, e que outros usuários pudessem descobrir, acessar e interagir com o conteúdo num mesmo lugar.

Muito crédito deve ser dado para estas plataformas que resolveram carências de funcionalidades dos protocolos abertos, como pagamentos, identidade, escalar servidores e etc. Essa redução notável no atrito destes serviços fez com que o volume de conteúdo online explodisse.

Além disso, a combinação de duas ou mais inovações abriram novos tipos de interação entre os participantes. Vale destacar o caso do smartphone, que com sua funcionalidade de GPS, permitiu o surgimento do Uber, 99, Rappi dentre outros.

Então se a Web 1.0 democratizou a informação, a Web 2.0 democratizou a publicação.

Mas como que isso se encaixa no ciclo tecnológico que mencionamos no inicio do texto?

Dado que o valor do software proprietário colapsou em favor das redes, as novas empresas estavam dispostas a dar o software de graça, de forma a se criar uma rede e atingir o santo graal da internet, o Network Effect (efeito de rede).

Como isso se dá na prática? É o Instagram desenvolver e oferecer diversos filtros de fotos e os oferecer de graça para os usuários, contanto que eles as postem no seu aplicativo e comecem a convidar seus amigos para participarem. Como ganhar dinheiro com isso? Extraindo dados dos usuários e os vendendo de alguma forma, seja via publicidade, mas sem uma pressão imediata por monetização, dado que primeiro era preciso crescer a rede. Soma-se a isso uma politica monetária acomodativa com juros próximos de zero, que favorecem ativos de longa duration, como empresas que pretendiam monetizar seus usuários apenas no futuro, contanto que esse potencial fosse real e grande.

Onde estamos hoje

Temos cinco grandes empresas que dominam a internet: Google, Apple, Facebook, Amazon e Microsoft. Fora dos Estados Unidos, existem alguns campeões locais que possuem o mesmo nível de domínio em alguma região, vide Alibaba e Tencent na China e Mercado Livre na América Latina.

O domínio destas empresas é tamanho que fica cada vez mais difícil para empresas menores competirem e criarem valor de forma independente delas. Uma empresa de eCommerce hoje depende do Instagram para targeted ads e o Facebook sabe disso. Mesmo grandes empresas como a Snap, que é listada, viu o Facebook copiar o seu serviço (Instagram Stories) e atingir o mesmo número de usuários que o Snapchat demorou sete anos em apenas um ano. Além disso, as recentes mudanças de política de privacidade da Apple vêm afetando a performance da companhia, levando a uma queda expressiva de suas ações.

Qual a conclusão que chegamos? Que obter altos retornos na internet será cada vez mais difícil. Estas empresas ficaram tão grandes, tem tanta capacidade de distribuição e controlam os usuários que apenas uma mudança radical na estrutura dos mercados e modelos de negócio podem transformar esse cenário. Nesse cenário de um mercado consolidado, existem basicamente três formas de investir:

1) Investir nos incumbentes: dado que estes devem continuar crescendo por um bom tempo. Vide a estratégia de investir nas ações FAANMG (Facebook, Apple, Amazon, Netflix, Microsoft, Google).

2) Investir em nichos na espera que os incumbentes não entrem neles devido a distancia geográfica, barreira regulatória, pequeno tamanho de mercado, etc. Vejo muitos VCs da América Latina e Ásia investindo nesse segmento.

3) Investir em novos padrões e protocolos que pretendem disruptar os incumbentes e criar uma nova onda de inovação -> É aqui que se encaixa a Blockchain.

A Oportunidade em Blockchain

Se eu for simplificar (e ser cínico), o modelo de negócios da maioria das empresas da internet se resume a:

1) Juntar uma quantidade enorme de dados

2) Monetizar estes dados cobrando usuários de forma direta (Youtube Premium), publicidade (Instagram), taxa por serviços (Mercado Livre, Rappi, Uber).

O que esse modelo precisa é de (i) Dados proprietários; (ii) Controlar dos dados e a interface do usuário.

Sem problemas, certo? Não! Apesar do resultado líquido da Web 2.0 ser muito positivo para a sociedade, não vem sem custo. Ao controlar nossos dados, os incumbentes impedem que consigamos acessar a nossa própria informação e ela tem muito potencial.

Quer um exemplo? Tente sair do Instagram e levar a sua lista de contatos para outra rede. É impossível. Talvez seja fácil para alguém como eu, que tem poucos amigos e basicamente apenas posto fotos do meu filho. No entanto, isso fica bem mais difícil se o seu perfil é profissional e você precisa dele para vender sua mercadoria. Caso você seja alguém que apostou no Instagram lá no começo, ajudou a trazer usuários para a rede e criou um nicho, agora você não apenas não se beneficiou da valorização da plataforma, como se vê tendo que pagar para conseguir trafego, pois o Instagram de forma deliberada diminui o trafego de perfis populares.

Apesar de acreditar que politicas antitruste são uma das grandes sacadas do capitalismo moderno, não estou aqui advogando que estas empresas sejam quebradas. Isso não iria funcionar mesmo. Facebook e Instagram separados seriam duas empresas fazendo as mesmas coisas. O que me interessa são soluções de mercado, que derivam de tecnologia.

Utilizando o nosso modelo de ciclos tecnológicos e também o enorme sucesso de tecnologias Open Source, podemos chegar a conclusão que existe uma demanda crescente por uma plataforma que democratize informação e dados. É aqui que a Blockchain entra. Não como algo que veio “do nada” e busca apenas levar a especulação financeira, mas sim como parte da evolução das plataformas computacionais, parte do grande movimento de Open Source.

Blockchains são, na definição de Chris Dixon, computadores virtuais que podem fazer comprometimentos, ou seja, não existe um hardware que controla o software, é o software que controla o hardware. A Blockchain é uma rede de participantes que propõe e validam o estado de uma rede de acordo com regras que são abertas, seguindo certos incentivos. Estes incentivos são criados a partir de um Token Digital (ou Crypto ativo) que é (i) escasso e (ii) programável, cuja oferta é programada e implementada por um mecanismo de consenso.

As Blockchains são diferentes das empresas centralizadas de internet no sentido em que o serviço é produzido por um grupo de pessoas independentes trabalhando de forma coordenada, cuja remuneração são os tokens.

Do outro lado, para consumir esses serviços, os usuários precisam ter e “gastar” esses tokens. Os tokens são negociados em qualquer lugar, de forma que seu valor é definido pelo mercado. Quanto mais aumenta a utilidade, o valor do token aumenta.

Todo a tecnologia é Open Source: o hardware, software, a rede e os dados. Isso acontece pois os participantes, que não se conhecem necessariamente, precisam compartilhar os dados entre si mesmos. Qualquer pessoa que der download do software para participar, consegue uma copia da base de dados. É impossível que alguém os controle. Blockchain colapsa o custo de construir redes ao substituir uma coordenação central por incentivos universais.

Usuários, desenvolvedores e empreendedores são motivados a crescer a rede ao apresenta-la para seus amigos (CAC negativo), contribuir com código e começar empresas que rodem em cima dessa rede. Todos compartilham do mesmo objetivo pois estão alinhados no incentivo econômico. Não é preciso captar bilhões para crescer uma rede.

É utilizando esta nova plataforma computacional que um fluxo enorme de talento está saindo de empresas Web 2.0 e indo trabalhar em empresas que se utilizam de empresas Blockchain. O objetivo é reinventar, melhorar e criar novos serviços na internet, em suma, fazer com que a Web entra na nova fase, a Web 3.0.

Blockchains permitem o uso de cryptografia na economia, criando um novo mecanismo para a organização humana globalmente, usando incentivos financeiros programáveis.

E quais são os usos atuais? Futuros? Quais as criticas? Por que crypto é tão estranho? O bonde já passou? Quais as sub-teses? Bom, tudo isso será coberto na parte 2 que sai em algumas semanas, seguida de uma série de artigos sobre a Blockchain que mais me atrai como investidor e empreendedor, a Ethereum.

Obrigado!

Edu

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