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Oi pessoal! Vou começar uma nova série de artigos com os playbooks de alguns dos mais bem sucedidos CEOs e investidores de tecnologia. Steve Jobs, Elon Musk e Vinod Khosla já estão na lista. Tem alguma sugestão? Manda para mim no eduardo@leiaobsb.com
Se tiver apenas um minuto, segue um resumo:
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Sob a liderança de Nadella, a Microsoft saiu de um valor de mercado de US$300Bi para US$ 3.1Tri. Um retorno de mais de 10 vezes em 10 anos
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Seu mantra: “Empatia é Inovação”
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Nadella mudou a cultura da Microsoft. De uma empresa empresa fechada e focada em si mesma, hoje ela é aberta, cooperativa e ousada
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Nadella está posicionando a Microsoft para ser uma das líderes em Inteligência Artificial. Seus movimentos são uma verdadeira aula de estratégia
O Desconhecido CEO
Quando Satya Nadella assumiu o cargo de CEO da Microsoft em 2014, muitos acreditavam que a empresa caminhava para a irrelevância. Ela havia perdido o bonde dos smartphones e, na tecnologia de Nuvem, corria atrás da AWS, que era a líder isolada do mercado. As ações da empresa estavam abaixo do pico alcançado durante a bolha da internet. Durante os 14 anos em que seu antecessor, Steve Ballmer, esteve no comando, as ações da Microsoft tiveram um retorno total (incluindo dividendos), de 65%, enquanto o S&P subiu 105% no mesmo período.
Além disso, havia um problema cultural. A Microsoft acreditava que possuía todas as respostas e que definiria o rumo do setor de tecnologia. Sua postura agressiva nos negócios, em que até equipes internas competiam entre si, fazia com que outras empresas a vissem sempre como uma rival.
Paródia da cultura da Microsoft pré-Nadella
Sob a liderança de Nadella, a Microsoft entrou em um período de prosperidade e hoje está mais forte do que nunca. Sua divisão de Nuvem é uma das líderes globais no segmento, e a empresa é a maior investidora da OpenAI, além de sua principal parceira. A Microsoft também se tornou uma das protagonistas no desenvolvimento de Inteligência Artificial. Nadella fez da empresa uma organização mais ousada, aberta e colaborativa.
A receita passou de US$86Bi em 2014 para US$245Bi em 2024. Além disso, a qualidade dessa receita melhorou, com um percentual maior de receitas recorrentes. A margem bruta aumentou de 62% para 70%, e a margem de lucro subiu de 26% para 36%. O mercado adorou: quando Nadella assumiu, a Microsoft valia US$300Bi; atualmente, seu valor de mercado é de US$3.1Tri, com mais de US$150Bi distribuídos em dividendos no período. Um retorno de mais de 10 vezes em 10 anos.
“Company Man”
Satya Nadella nasceu na Índia, em uma família de classe média. Seu pai era funcionário público, e sua mãe, professora de sânscrito. Ele estudou Engenharia Elétrica em seu país e emigrou para os Estados Unidos para fazer um mestrado em Ciências da Computação na Universidade de Wisconsin-Milwaukee.
Em 1992, ele foi contratado pela Microsoft, e nunca mais saiu. Em uma época em que executivos costumam trocar de empresa a cada um ou dois anos, Nadella é o exemplo perfeito do “Company Man”.
Empatia é Inovação
Aos 29 anos, Nadella e sua esposa, Anu, tiveram seu primeiro filho, Zain, que nasceu com paralisia cerebral, cego e tetraplégico. Nos primeiros anos, Nadella se sentia revoltado e se perguntava:
“Por que isso aconteceu comigo?”.
A resposta veio de sua sábia esposa, Amu:
“Você se pergunta por que isso aconteceu com você, mas nada aconteceu com você. Algo aconteceu com o nosso filho”.
Ao absorver essa perspectiva, Nadella afirma que mudou sua forma de enxergar a vida. Ele internalizou o conceito que passou a guiar sua carreira: empatia.
Empatia significa se colocar no lugar do outro. Um dos corolários disso é a capacidade de ouvir o que a pessoa está dizendo e, mais importante ainda, o que ela não está dizendo. É a habilidade de “sentir” o seu interlocutor. Com Zain, ele aprendeu a se comunicar e a entender alguém com necessidades e limitações especiais. O casal teve mais duas filhas, mas seu filho infelizmente faleceu em 2022.
Satya, com a esposa Any e o filho Zain
No contexto da Microsoft, Nadella criou o mantra “Empatia é Inovação”, que resume a ideia de que, para realmente criar algo novo e atender às necessidades de clientes e funcionários, é essencial primeiro compreendê-los.
A Guerra da Nuvem
Em 2011, a Microsoft se via em uma encruzilhada. Seu principal mercado, o de software para PCs, estava desacelerando, e a empresa havia perdido completamente a oportunidade no mercado de smartphones. Steve Ballmer, então CEO, ridicularizou o iPhone quando foi lançado. Anos depois, ele admitiu que a cultura da Microsoft era voltada para o desenvolvimento de software, e que criar hardware era algo completamente fora de sua natureza, nunca sendo cogitado seriamente.
O surgimento da Nuvem mudou radicalmente a forma como o software era desenvolvido, vendido e entregue. Isso representava um risco existencial para a empresa.
Na década de 90 softwares eram comprados em lojas
A Nuvem fez a Microsoft perder vantagens competitivas. O custo de desenvolvimento despencou; o espaço nas prateleiras de varejistas deixou de ser relevante; e novos entrantes, com soluções especializadas, começaram a atacar a empresa de todos os lados.
Os consumidores mudaram seu comportamento. Comprar software como um serviço exigia menos capital, tanto na aquisição de licenças quanto na compra de PCs e servidores. O desenvolvimento de software de ponta migrou para a Nuvem.
A Microsoft não podia perder essa nova onda. Era crucial tanto para encontrar uma nova fonte de receita quanto para defender seus produtos tradicionais, como o Windows. Além disso, sua enorme base de clientes empresariais também buscava uma solução em Nuvem. O problema era que a pioneira nesse segmento, a Amazon Web Services (AWS), dominava o mercado.
Para liderar esse projeto, Ballmer convocou Nadella. Esse seria o teste de fogo para o executivo. Seu plano consistia nos seguintes pilares:
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Open Source
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Parcerias & Cooperação
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Flexibilidade & Customização
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Escala
1) Open Source
Nadella acelerou o desenvolvimento do Azure, a plataforma de Nuvem da Microsoft, com o objetivo de atrair empresas de diferentes setores, desde pequenas startups até grandes corporações. Ele liderou o esforço interno para transformar o Azure em uma plataforma completa de infraestrutura como serviço (IaaS), plataforma como serviço (PaaS) e software como serviço (SaaS).
No mercado de tecnologia, é comum que o líder de mercado atue de forma fechada e individualista. A estratégia de contra-posicionamento para desafiar o líder costuma envolver cooperação e o uso de soluções de código aberto. Um exemplo disso é o que o Google fez com o Android, criando um sistema open source que se tornou o líder no mercado de smartphones, superando o iPhone/iOS.
A Microsoft, que historicamente liderava todos os mercados em que atuava, nunca havia operado dessa maneira. No entanto, Nadella quebrou esse paradigma e abraçou o código aberto. A Microsoft se tornou uma das maiores contribuidoras para o open source, oferecendo suporte ao Linux no Azure. Isso foi um divisor de águas: antes vista como uma empresa fechada e proprietária, a Microsoft abriu suas portas para desenvolvedores e empresas que queriam usar Linux e outras plataformas em sua Nuvem.
2) Parcerias & Cooperação
Para impulsionar o crescimento do Azure, Nadella firmou parcerias estratégicas com empresas como SAP, Oracle e Salesforce, permitindo que seus produtos rodassem na plataforma, o que aumentou sua credibilidade e atraiu clientes corporativos. Além disso, a Microsoft adotou uma abordagem de multi-nuvem, incentivando a interoperabilidade entre o Azure e outras plataformas, como AWS e Google Cloud, em vez de forçar um modelo “tudo ou nada”. Isso facilitou a adoção do Azure por empresas já comprometidas com outros provedores.
Exemplo da escala do Microsoft Azure, com mais de 2.500 empresas parceiras
3) Flexibilidade & Customização
Outro elemento-chave da estratégia foi o foco na Nuvem híbrida. Nadella percebeu que muitas grandes empresas ainda dependiam de infraestrutura local e não estavam prontas para uma migração total para a Nuvem pública. Ele posicionou o Azure como uma plataforma capaz de operar tanto na Nuvem quanto localmente, integrando-se aos data centers existentes. Essa abordagem diferenciou o Azure da AWS, que era focada principalmente na Nuvem pública. Além disso, a Microsoft criou soluções customizadas para indústrias reguladas, como Saúde, Finanças e Governos.
4) Escala
Outro movimento importante foi a rápida expansão da infraestrutura de data centers ao redor do mundo. Para competir globalmente, a Microsoft precisaria de grande e bem distribuída rede de data centers. A empresa passou a investir agressivamente. Em 2024 seu Capex será de US$56Bi, um número que vem crescendo conforme aumenta a demanda por infraestrutura para IA.
CEO
Com o sucesso do Azure, Nadella se tornou o terceiro CEO da história da Microsoft. Na época, o mercado estava cético, pois ele era um desconhecido.
Nadella reorientou a empresa com a visão de “cloud-first”, uma mudança radical em relação ao tradicional “Windows-first”. Em vez de tratar a Nuvem como um complemento, ele posicionou o Azure como a base para futuros serviços e inovações.
Bill Gates, Satya Nadella, Steve Ballmer
Foi tão difícil assim?
Uma visão cínica é que a Microsoft, com sua posição quase que monopolista, já estava destinada ao sucesso com o Azure, pois o custo de abandonar o Windows e softwares como o Excel era muito alto. Segundo essa visão, Nadella apenas “chutou para o gol”. Embora haja alguma verdade nisso, tudo parece mais fácil em retrospecto. Na minha opinião, Nadella fez a diferença.
M&A
Todo grande CEO de tecnologia precisa ser um bom comprador de empresas, e Nadella não é diferente. Em 2018, a Microsoft adquiriu o GitHub por US$7.5Bi, a maior plataforma de hospedagem de código do mundo, com milhões de desenvolvedores. Essa compra ajudou a atrair mais desenvolvedores para o Azure.
Dois anos antes, a empresa comprou o Linkedin por US$26Bi, ganhando uma forte posição no mercado de redes sociais.
Por fim, a aquisição da empresa de gaming Activision Blizzard por US$68.7Bi, anunciada em 2022, foi a maior transação de M&A da história do setor de tecnologia.
Inteligência Artificial
O surgimento de uma nova plataforma computacional é um momento definidor para os CEOs de tecnologia e suas empresas.
Exemplos incluem Mark Zuckerberg, que elevou a Meta com a dominação do smartphone através das aquisições do Instagram, WhatsApp e reconstrução do app do Facebook; Jeff Bezos, que transformou a Amazon com a criação da AWS, conseguindo os recursos financeiros para dominar o varejo; e Steve Jobs, cujo iPhone se tornou o produto mais bem-sucedido da história e fazendo da Apple a empresa mais valiosa do mundo.
Os executivos de tecnologia são obcecados por novas plataformas. Quando surge uma candidata promissora, eles investem muitos recursos para dominá-la. Nem sempre dá certo, mas perder a onda pode colocar a empresa em risco – um erro que a Intel conhece bem.
Para Nadella, seria a Inteligência Artificial. Durante a década de 2010, o desenvolvimento de IA avançou na direção de modelos de Redes Neurais, que utilizam GPUs para realizar cálculos massivos em paralelo e processamento simultâneo. Ficou o claro o ângulo de negócios: a IA poderia acelerar os negócios de Nuvem da Microsoft, já que esses modelos de IA exigem soluções de alto desempenho, que são mais caras que os serviços tradicionais.
A oportunidade era apostar no crescimento da IA, com a premissa de que a empresa de Nuvem mais bem posicionada atrairia os principais clientes, desenvolveria maior expertise, capturaria mais receita e entraria em um círculo virtuoso de expansão contínua.
OpenAI
Meu pai me ensinou: “Para ser um tubarão, precisa nadar com tubarões”. No mundo da IA, a OpenAI é o principal “tubarão”. Em 2019, a Microsoft fez um investimento de US$1Bi no laboratório e firmou uma colaboração estratégica, tornando o Azure a plataforma de Nuvem da OpenAI. Ao longo dos anos, essa relação evoluiu, com a Microsoft integrando modelos avançados de IA da OpenAI em seus produtos. Novos investimentos foram feitos em 2021 (US$2Bi) e em 2023 (US$10Bi).
Sam Altman e Satya Nadella
Satya Nadella resumiu a parceria de forma clara: “Estamos por cima, por baixo e de todos os lados com a OpenAI”.
Paranóia
A abordagem de Nadella para garantir que a Microsoft não fique para trás é simples: ele nunca para de conversar com fundadores de startups, investidores de venture capital e CEOs das maiores empresas do mundo.
Por exemplo, no início do ano, o fundador da Perplexity, uma startup de IA para buscas, concorrente do Google, recebeu uma ligação de Nadella. Ele queria saber a opinião dele sobre as atualizações que o Google na sua plataforma de IA, a Gemini. As perguntas eram específicas e detalhadas. O fundador da Perplexity comentou: “O seu foco nos detalhes era extraordinário para o CEO de uma grande empresa”.
Satya Nadella deve ter lido o clássico livro de Andy Grove, o lendário CEO da Intel
Nadella dedica pelo menos duas horas por dia conversando com CEOs, desde presidentes de grandes corporações até líderes de pequenas empresas e investidores. Ele está sempre em busca de informações sobre novas startups e pessoas que deveria conhecer, guiando suas decisões com base nesses diálogos. Seu estilo de comunicação é descrito como hiperativo.
Em uma conversa recente com Mustafa Suleyman,cofundador da DeepMind (startup de IA adquirida pelo Google), Nadella quis saber sobre o progresso da Inflection, nova startup que Suleyman fundou em 2022. A conversa avançou até que Nadella convenceu Suleyman a liderar a divisão de IA da Microsoft. O fato de Suleyman ser fundador de outra empresa não foi um problema. A Microsoft fechou um acordo de licenciamento do software da Inflection por US$ 650 milhões e contratou a equipe. Esse foi um dos mais caros “acqui-hires” da história e demonstra que Nadella não está acomodado com a parceria com a OpenAI.
Founder Mode
Embora não seja um dos fundadores da Microsoft, Satya Nadella é um dos melhores exemplos do “Founder Mode”. Esse conceito foi definido por Brian Chesky, cofundador e CEO do Airbnb.
O senso comum nas escolas de gestão é de “contratar gente boa pessoas e dar autonomia para elas fazerem seu trabalho”. O Founder Mode adota uma abordagem oposta. Nele, o CEO mantém se envolve em diferentes aspectos da empresa. Ele se reune com funcionários de todos os níveis, e ignora a hierarquia. O organograma é menos rígido. O CEO promove uma cultura de foco intenso e alinhamento em torno de uma visão. Ele se envolve nos detalhes e trabalha lado a lado com diferentes equipes.
Nadella é um exemplo de um gestor que adotou o Founder Mode. Ele é um CEO especial. Cominando combina empatia, humildade, curiosidade, inteligência e ousadia, ele inspira pessoas no mundo todo. À frente de uma das três maiores empresas do mundo, sua voz continuará a influenciar o futuro da tecnologia – um futuro que ele pretende liderar por muitos anos.
Grande abraço,
Edu
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