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Oi pessoal, tudo bem? O texto de hoje tem 6 minutos. Sejam bem vindos os 634 novos leitores desde a quinta passada.

🤗 Twitter: depois de anos em que a diligência foi deixada de lado em favor de velocidade, o aumento do custo de capital e os casos de fraudes recentes estão trazendo essa boa prática de volta ao mercado.

👍🏻 Nutella:

  • Pesquisar no Google, ler todo o data room, alinhar expectativas, referências, checar documentações legais…estas são algumas práticas básicas que durante os anos de bonança foram deixadas de lado.
  • Uma parte da diligência é “check the box”. Pode parecer chata, mas é FUNDAMENTAL e impede um investidor de se meter em enrascadas.
  • Por fim, o empreendedor também tem que fazer uma boa diligência em seu investidor e futuro sócio.

👊🏻 Raiz: 

Como um investidor de tecnologia, nos últimos anos fiquei impressionado com o baixo nível de diligência que observei em alguns investidores. Casos como o da FTX, Luna, Theranos e WeWork são os mais notórios, mas existem muitos outros exemplos. A velocidade de capital foi tão alta, que muitos diminuíram seus processos de análise, eliminaram etapas e passaram a contar em próxis ao invés de fazer o trabalho.

Aqui vale uma ressalva. Eu gosto de dividir o trabalho de diligência em dois grandes grupos: o primeiro é o “check the box”, ou seja, coisas que uma oportunidade precisa ter para que você se engaje no segundo grupo, que afeta as projeções financeiras da companhia.

Estes dois acontecem em paralelo. O que muda é a lógica: no “check the box”, você dá a uma oportunidade uma nota dez no inicio e cada coisa que não “check the box”, vai diminuindo-a. Isso inclui temas como estrutura legal, contratos, compliance, risco reputacional e etc. Algumas coisas levam a uma nota zero imediatamente.

O segundo é diferente. Você parte de zero e ao construir a tese vai ganhando conforto e aumentando a nota da oportunidade, até chegar no dez ou próximo disso. Isso inclui entender tamanho de mercado, estrutura de custos, estratégia de marketing e etc.

Por exemplo, no caso da FTX, o fato da empresa ser uma fraude era algo que deveria ter sido pego no primeiro grupo. Não dá para construir um modelo financeiro do zero considerando que uma empresa pode ser uma fraude…

No fim das contas, o processo de diligência se resume a saber quais perguntas fazer.

Mas tudo bem, porque isso deveria ser tema de um artigo? Por que 99% dos textos que leio sobre diligência de investimentos se focam no segundo grupo, mas a maioria das crises recentes ocorreu por falhas no primeiro!

Sendo assim, seguem algumas dicas da minha experiência de investimentos no tema de diligência “check the box”:

1) Dê um google na empresa que você está analisando, seus fundadores e principais funcionários. Pesquise o nome da pessoa com palavras como “processo”, “sócio”, “justiça”. Entre no site da Jusbrasil. Redes sociais também são uma ótima forma de entender qual o tipo de pessoa que você está lidando. Isso pode parecer básico, mas eu ganhei a reputação entre um grupo de colegas que diziam, “o Edu é uma Revista Caras do Mercado Financeiro”, simplesmente porque eu dava um google antes de qualquer reunião e chegava minimamente preparado sabendo o histórico de quem eu iria conhecer.

2) Toda empresa que está captando investimentos deve ter um “data room” completo. Se não tem, não vale a pena investir. Além disso, para fazer o trabalho do investidor mais fácil, é bom colocar um roteiro / bibliografia do que esta lá. Leia 100% dos documentos do data room. Se você investiu numa empresa e não leu o data room inteiro, você não esta fazendo seu trabalho direito. O deck de apresentação de uma empresa muitas vezes tem inconsistências. A maioria devido a práticas de mercado. A mais comum que encontro? Um marketplace que trata GMV como receita, na expectativa de captar uma rodada a um múltiplo de “receita”, alto, se diluindo menos.

3) Alinhar expectativas. Se no período 2018-2021 rodadas eram fechadas em questão de dias, agora voltamos a realidade, em que são fechadas em meses. Além disso, é importante as partes entenderem quando o processo fica mais ou menos intenso. Investidores e empreendedores iniciantes comemoram a assinatura de uma oferta não-vinculante sem qualquer tipo de obrigatoriedade (o chamado Term Sheet). Os experientes sabem que isso não é o fim, mas sim o começo de um processo, em que você precisa manter a energia no mesmo nível que antes.

4) Peça por referências, pessoais e profissionais e ligue para as pessoas. Em alguns casos existem acordos de confidencialidade que impedem alguém de falar, respeite esses acordos e pergunte ao fundador para contar a história da forma mais franca possível e tente encontrar formas de confirma-la.

5) Checar a composição acionária de uma companhia. Parece simples, mas no mundo de startups, 80% das vezes esse documento está errado. Tem um stock option que não foi contado, uma participação de um minoritário e etc…isso afeta seu retorno.

6) Quem faz a diligencia é o time responsável pelo investimento. Prestadores de serviço não assumem a sua responsabilidade fiduciária. Se não tem tempo o bastante para fazer uma boa diligencia, não faça o investimento, pois se der problema depois, a culpa é sua. A melhor analogia para o papel do investidor numa diligência com prestadores é a de um maestro.

Conheci mais de um investidor do Vale do Silício que apenas investia numa empresa no Brasil se os fundos X, Y ou Z já são investidores. Isso não é um problema per se, mas se torna um quando o fundo diz que “isso me traz tanto conforto que nem faço diligencia legal”. Depois perde dinheiro no Brasil e reclama…

7) Cheque todas as documentações registradas da companhia, fundadores e membros chave da equipe. Óbvio? Sim, mas de novo, muita gente não faz e em especial durante o período da bonança, 2018-2021

8) Você deveria em algum momento falar com a equipe legal da empresa que você está analisando. Não fique em dúvida, não fique tímido. Isso daqui não é analise de tamanho de mercado, em que você está buscando uma boa aproximação. Nesses temas existe resposta certa, na vírgula, ou caso não tenha, é um risco pelo qual você deveria ser recompensado.

9) Se tem um aspecto técnico da oportunidade, peça para algum terceiro para analisar. Alguém esperto, que você confie, mas não pode ser no estilo “ah, eu conheço um cara”. Quer um exemplo? Num dos meus primeiros investimentos em crypto, contratei o ex-CTO do Mercado Bitcoin para fazer uma diligencia técnica.

Agora entrando no lado mais das projeções e potencial futuro da empresa, existem vários textos explicando como fazer um bom trabalho de análise. No mesmo espirito da sessão anterior, de aplicar um maior grau de exigência ao processo, seguem alguns pontos:

1) Tem que existir lógica sensata para o mercado potencial. Empreendedores querem mostrar um mercado grande, algo como “nosso mercado são todas as pessoas do planeta”. Fatiar o mercado para entender qual é endereçável e principalmente em qual período. De que adiantar um mercado global gigante se nos próximos 5 anos a empresa quer ficar no Brasil onde o mercado potencial é pequeno?

2) pergunte pelo menos 20 vezes, “o que a sua empresa faz?”, “como que você ganha dinheiro?”. Entender qual o tipo de incentivo que a empresa tem, qual o comportamento que ela quer estimular em seus clientes. Incrível como se ouvem respostas diferentes.

3) A maioria das startups queima caixa até chegar no breakeven. Isso é parte do jogo. O ponto aqui é entender quais alavancas que permitem a empresa ter ganho de margem. Nem toda empresa vai ter uma margem bruta melhor se ganhar escala. Além de que uma empresa não consegue crescer de forma super acelerada de forma eficiente. Em algum momento ela vai precisar arrumar a casa, melhorar processos.

Durante a bonança, o caminho era:

  • Começo uma empresa -> Escalo -> Simplifico / ganho eficiência

Hoje – e desde sempre, pois dinheiro sempre teve custo – o caminho é:

  • Começo uma empresa -> Simplifico / ganho eficiência -> Escalo

4) O Brasil é um país emergente, volátil e cíclico. Ter um caminho razoável, tanto em dificuldade quanto em duração, para chegar num evento de liquidez, que pode ser IPO, M&A, Dividendos, Recompra de ações via dívida, ajuda a entender o risco que se está correndo. Não adianta investir numa oportunidade que vai demorar mais tempo para dar certo que o seu horizonte de investimento ou que apenas terá liquidez se o mercado ficar louco quanto ficou na época da bonança. PS: Essa lógica é diferente no Vale do Silício, que tem uma liquidez de outra ordem de magnitude.

*Bônus: como fazer diligência num investidor

Existem mais empreendedores do que investidores. Por outro lado, tem mais conteúdo ajudando o segundo que o primeiro. Sendo assim, seguem algumas sugestões de perguntas que empreendedores devem perguntar aos seus futuros sócios:

1) Como que a gestora funciona? Quem manda? Como que os incentivos são divididos? Se eu estiver no meu conselho o membro X, ele terá poder de decisão? Se sim, quanto?

Em geral você quer saber exatamente quem é o tomador de decisão e estar o mais próximo possível dele. Se tudo for decidido por comitês, pergunte em quanto tempo eles demoram para responder. Comitê pode ser um grupo de whatsapp que responde em duas horas ou uma reunião trimestral. Fundo que atrasa para responder pode quebrar uma empresa.

2) Qual o tamanho do fundo? Número de empresas? Quantas empresas cada pessoa cobre?

Você quer entender aqui qual o nível de relevância que a sua empresa vai ter no fundo. Se esse nível for baixo, não é um problema em si. O combinado não sai caro.

3) Vocês deixam os fundadores investirem nos fundos da gestora? Se sim, como que isso funciona e posso ter acesso a dados do fundo?

Aqui o que você quer saber é se a gestora esta ganhando dinheiro ou tem previsão de ganhar. Ao deixar você investir, a gestora abre seu track-record, uma informação muito reveladora. O empreendedor quer entender qual o momento da empresa. Fundos de VC funcionam por ciclos e safras. Idealmente você quer que o gestor esteja no mesmo momento que você: se a empresa esta nascendo, receber o investimento de um fundo no início, para que fiquem sócios por muitos anos, vai ter um bom capital reservado e etc.

Uma das piores coisas é ser sócio de “investidor fantasma”. Aquele cara que já ganhou dinheiro no passado, mas agora os novos fundos não estão indo muito bem, seja por mercado ou decisões erradas. O gestor não aposenta, mas não trabalha com a mesma energia. É um peso morto e tem todo potencial para atrapalhar.

4) Por fim, peça referências. De clientes e empreendedores do portfólio. Mais importante ainda é ir atrás de empreendedores que foram e agora não estão mais no fundo. A mesma coisa para ex-funcionários. Estes não têm mais incentivos com o fundo e podem dar uma visão menos enviesada.

Em resumo, uma boa sociedade precisa que ambas as partes se conheçam, entendendo seus objetivos e expectativas. Além disso, fazer um processo de diligencia é mostrar o respeito junto aos stakeholders. Se tem algo bom de 2022 e de todos esses episódios tristes é que ser diligente voltou a moda, depois de anos sendo considerado coisa de gente lerda e medrosa. Se esse é o estereótipo, então sou lerdo e medroso e tenho orgulho disso. =)

Grande abraço, Edu