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Oi pessoal! Apesar de não cobrir política, era impossível não escrever sobre o que Elon Musk tem feito com o Twitter e a influência política que conquistou com a vitória da Donald Trump nesta semana. Vamos nos aprofundar nisso hoje!
Se tiver apenas um minuto, segue um resumo:
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Se no passado a indústria de mídia era reservada aos seus barões, nos últimos anos empreendedores de tecnologia vem comprando ativos no setor. A compra do Twitter foi essa tendência levada ao extremo.
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Elon Musk é o melhor jogador do “Grande Jogo Online”
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A compra do Twitter tem sido um investimento desastroso, tanto financeiro quanto operacionalmente
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O Twitter foi comprado como uma forma de controlar a narrativa sobre suas empresas, um plano de turnaround e ganho de influência política e poder
Quem são seus pares?
Com uma fortuna estimada em US$260Bi, Elon Musk é o homem mais rico do mundo. Seu patrimônio é diversificado, com participações relevantes nas empresas Tesla (US$897Bi de valor de mercado), SpaceX (US$210Bi), xAI (US$24Bi), X/Twitter (US$12.5Bi), The Boring Company (US$5.6Bi) e Neuralink (US$3.5Bi). Além disso, ele tem ânimo para criar novas empresas, joga no ataque e consegue atrair talentos de forma única.
Quando colocamos isso em perspectiva, parece que Musk está em uma categoria própria de empreendedor. Se formos compará-lo com alguém, talvez faça mais sentido que seja com magnatas do século XIX. Pessoas como John D. Rockefeller e Andrew Carnegie não apenas moldaram a economia americana com suas empresas, mas também usaram sua influência para impactar o cenário político. Essas figuras lendárias influenciaram eleições e políticas nacionais, defendendo interesses que favoreciam suas empresas e visão de mundo.
Os pares de Musk: J.P. Morgan, Andrew Carnegie, John D. Rockefeller e Cornelius Vanderbilt
Os Barões da Mídia
A mídia é uma indústria peculiar. Historicamente, os empresários do setor não diversificavam suas atividades para outros ramos da economia; eles eram os “Barões da Mídia”. Por outro lado, até empreendedores poderosos — como os mesmos Rockefeller e Carnegie — não investiam diretamente em jornais. Era quase como se houvesse uma “reserva de mercado não declarada”. Quem era de mídia, ficava nela; quem era de fora, não se metia. Foi assim até o final do século XX, tanto nos EUA quanto na Europa e no Brasil.
Isso começou a mudar nos últimos anos. Empresários do setor de tecnologia passaram a comprar ativos de mídia. Jeff Bezos comprou o Washington Post em 2013, mas fez isso via seu family office, não pela Amazon. Laurene Powell Jobs, viúva de Steve Jobs, adquiriu uma participação majoritária na The Atlantic. Marc Benioff, CEO da Salesforce, comprou a Time Magazine em 2018.
Laurene Powell Jobs, Marc Benioff e Jeff Bezos
Essas aquisições foram apresentadas ao mercado quase como mecenato. A narrativa era: “Empreendedor de tecnologia bilionário compra um ativo de mídia com relevância cultural, não para ganhar dinheiro, mas para manter viva uma instituição importante para a sociedade. Não haveria influência na linha editorial, apenas suporte na frente tecnológica e digital”.
O Brasil, curiosamente, tem um dos poucos casos inversos. Uma família empresária de mídia aventurou-se no ramo de tecnologia e teve grande sucesso: a Folha de São Paulo, com a criação do UOL e depois o PagSeguro, UOL Educação, UOL Compass, entre outras empresas.
Ao adquirir veículos de imprensa, os empresários de tecnologia conseguem não apenas promover suas visões e influenciar o debate público, mas também integrar a mídia como uma extensão estratégica de suas operações e filosofias empresariais.
A Arena Política
O Twitter é uma rede social diferente. Com mais de 450 milhões de usuários ativos mensais, é o epicentro das discussões políticas e sociais. Enquanto o Instagram (2 bilhões de usuários) e o TikTok (1.6 bilhão de usuários) se concentram em entretenimento e conteúdo visual, o Twitter é o local onde líderes mundiais, jornalistas e cidadãos discutem temas complexos e questões de impacto social e político. O Twitter incentiva debates e a disseminação rápida de ideias. O problema é que isso não se traduziu em resultados financeiros extraordinários como os das outras redes. Por exemplo, em 2021, a receita média por usuário da Meta foi de US$61, enquanto a do Twitter foi de US$23. O crescimento do Twitter também é menor, assim como seu tamanho absoluto.
A dúvida então era: o que Musk viu no Twitter? Para responder isso, quero apresentar a vocês um jogo.
O Grande Jogo Online
Packy McCormick é um autor e investidor americano que, em 2021, escreveu um artigo chamado “O Grande Jogo Online”. A tese é que a internet se tornou um imenso jogo onde pessoas comuns, influenciadores, empresários e políticos competem para ganhar atenção, influência e oportunidades.
Fonte: Not Boring
Todos os que navegam ativamente nas redes sociais e participam do ambiente digital jogam simultaneamente, buscando vantagens que se traduzem em ganhos reais, sejam eles financeiros, sociais ou profissionais.
O que faz do Grande Jogo Online algo excitante é que qualquer ação digital — um tuíte, comentário, post em uma comunidade — pode ser o ponto de partida para novas conexões e oportunidades. Diferente da mídia tradicional, na internet existe a possibilidade de as interações serem autênticas. Programas de televisão são, na maioria, teatros de relações públicas e marketing.
O Jogo acontece em todas as redes. Instagram, LinkedIn, Twitter, Discord, Reddit e YouTube tornam possível que qualquer pessoa se conecte com outras que compartilham interesses e ideias, criando uma rede que possibilita parcerias, colaborações e até mudanças de carreira. Explorei um pouco sobre como o LinkedIn tornou-se uma rede melhor na semana passada.
O Twitter, em particular, é uma ferramenta essencial nesse jogo, uma plataforma onde se constroem reputações e onde os “jogadores” podem conquistar uma audiência influente e conectada. E quem é o melhor jogador? Elon Musk.
O Twitter teve papel crucial para a construção da persona de Musk como um empreendedor ousado, inovador e que desafia o status quo. Adepto do “Build in Public”, onde compartilha os desenvolvimentos de suas companhias, a plataforma permitiu que ele se comunicasse diretamente com milhões de pessoas, sem intermediários.
Walter Isaacson escreveu a principal biografia sobre Musk. Anos antes, ele escreveu um livro sobre Steve Jobs. Ele notou que ambos possuem a habilidade de criar “campos de influência da realidade”. É a capacidade de convencer a si mesmos e aos outros de que algo é possível, ignorando todos os fatos e evidências em contrário, seja por força bruta ou persuasão.
Musk conseguiu criar um campo de influência em milhões de pessoas via Twitter. Ele descobriu que isso era muito valioso. Era possível fazer marketing de graça dos carros da Tesla, apresentar os lançamentos da SpaceX e atrair engenheiros do mundo todo em busca de uma vaga na empresa de foguetes.
Musk podia falar sobre a Tesla como empresa e investimento. O impacto disso na base acionária da empresa foi brutal. Atualmente, 44% das ações da Tesla estão nas mãos de investidores pessoa física, considerados menos sofisticados. Nas outras grandes empresas de tecnologia (Microsoft, Apple, Facebook, Amazon, Netflix e Google), esse percentual é de apenas 18%. Essa composição também infla o preço da ação. O múltiplo de lucro e EBITDA da Tesla é desproporcionalmente maior quando comparado ao de outras empresas automotivas maiores e mais lucrativas.
A Aquisição do Twitter
Uma coisa é ser um bom jogador; outra coisa completamente diferente é comprar o tabuleiro.
A aquisição do Twitter foi marcada por decisões impulsivas. Em abril de 2022, Musk fez uma oferta pública para comprar a plataforma por US$44Bi, um prêmio de 38% sobre o valor de mercado da empresa. Durante o processo, ele mostrou sinais de arrependimento e tentou recuar, especialmente quando o mercado de empresas de tecnologia começou a cair, mas acabou fechando a compra sob pressão legal. Musk aportou US$8.5Bi, captou US$13Bi em empréstimos e o restante junto a investidores. O processo todo contou com doses de amadorismo de Musk, mais acostumado a construir empresas do que a fazer aquisições alavancadas. A indústria de tecnologia ficou incrédula com a transação.
Musk entrando na sede do Twitter depois da compra
Por que Elon Musk Comprou o Twitter?
Depois de dois anos da compra, podemos entender melhor esse movimento:
1) Controle da Narrativa e Impacto no Valor de Suas Empresas
Musk viu em primeira mão como conseguia extrair valor da plataforma para seus projetos. De certa forma, a compra foi uma forma de proteger esse ativo. Por exemplo, o perfil de Donald Trump foi banido do Twitter após os ataques de 6 de janeiro de 2021. Musk não queria deixar o ativo à mercê de decisões corporativas que ele não controlava.
Um ativo que apenas se valorizou. Em março de 2023 Musk tornou-se o maior perfil do Twitter, ultrapassando o ex-presidente americano Barack Obama. Naquela época ele tinha 133 milhões de seguidores. Hoje possui 203 milhões.
2) Projeto de Turnaround
Musk considerava o Twitter uma empresa mal gerida. Seu plano era de cortar gastos enquanto mantinha a plataforma funcionando e implementar uma estratégia de criar um super app que inclua pagamentos, serviços financeiros e comércio. A ideia era transformar em algo semelhante ao WeChat (que cobri num artigo ano passado).
Dois anos depois, sabemos que o plano não está saindo como esperado. Musk demitiu cerca de 80% dos funcionários, reduzindo a equipe de aproximadamente 7.500 para menos de 2.000, como parte de um esforço para cortar despesas operacionais. No entanto, a empresa também perdeu grande parte de sua receita publicitária, c.50% devido à saída de grandes anunciantes preocupados com mudanças na moderação de conteúdo. Os níveis de usuários e de engajamento aumentaram, como o gráfico abaixo nos mostra, mas isso não se traduziu em receita. O Twitter hoje vale menos do que na época em que foi comprado.
Engajamento no Twitter em diferentes momentos do dia, cada curva representa um dia
3) Potencial de Influência Política
Musk não comprou o Twitter para eleger Donald Trump. No entanto, quando percebeu que poderia influenciar a escolha do novo presidente americano, caiu de cabeça. Como o dono do Twitter e do perfil mais popular, era como jogar futebol contra o melhor jogador que também é dono da bola e do campo.
Musk sempre foi um excelente empreendedor quando se tratava de lidar com reguladores e governo. Sua fortuna iniciou com a fusão da sua empresa de pagamentos, dando origem a PayPal. Um dos principais motivos da fusão foi que Musk havia conseguido uma série de licenças antes de qualquer outra empresa. No caso da SpaceX, a equipe da empresa conseguiu diversos grants e contratos governamentais. No caso da Tesla e Solar City, ele fez lobby para incentivos a carros elétricos e energia solar.
Em resumo: Musk sabe lidar com o primeiro setor.
Com empresas operando no mundo todo em larga escala, Musk viu no Twitter uma forma de conseguir influenciar reguladores. Às vezes o tiro sai pela culatra, como foi o caso do Brasil, onde a rede foi banida e na Índia, onde a Starlink, sua rede de satélites que oferecem banda larga, não pode operar.
Com uma agenda de desregulamentação, eficiência e corte de gastos, de incentivar inovação nos Estados Unidos e postura mais forte com a China, Trump apresentou-se para Musk como o candidato ideal.
Na minha opinião, o mais importante é que se ele apostasse em Trump e colocasse toda a sua influência a seu favor, ele poderia ganhar um capital politico que nunca teve. E como diria o Oráculo em Matrix: ”O que todos os homens com poder querem? Mais poder!”
Com a vitória de Trump, Musk esta no seu auge de poder. De um empresário bem sucedido, ele incorporou a de influencer, juntou as duas “profissões” com a de dono de rede social e barão da mídia – porque o Twitter é uma plataforma de mídia – e agora vai ter talvez a maior influencia que um empresário já teve numa gestão presidencial.
Conclusão
O mundo de fato pertence a Elon Musk — e nós apenas estamos vivendo nele. Boa sorte a todos nós.
Grande abraço,
Edu
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