Olá, esse é o bsb, a maior newsletter sobre Tecnologia e Negócios do Brasil. Hoje vamos falar sobre a Shein, a empresa chinesa que vem transformando o varejo de vestuário. Adorada pelos clientes, odiada pelos concorrentes, discreta, inovadora e controversa, é um caso que precisamos entender no mundo de tecnologia.
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Se você tem apenas um minuto, aqui é o que você precisa saber:
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A Shein é um dos maiores varejistas do mundo, com receitas de $22.7bi e crescimento de 50% em 2022. Tem mais de 75 milhões de usuários. Seu aplicativo é o mais popular em >50 países. Ela lista mais de 5 mil novos produtos todos os dias, produz mais rápido e é mais eficiente que os concorrentes. Além disso, é lucrativa!
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Suas vantagens incluem o relacionamento com fornecedores, real-time-fashion, marketing, aplicativo e o baixo preço das suas peças
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A empresa também enfrenta críticas em temas como plágio, ESG, Customer Service e vantagens tributárias
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Tratar a Shein como uma empresa cujas únicas vantagens são mão-de-obra barata e arbitragem fiscal é uma super simplificação que vai custar caro aos concorrentes
O TikTok do Varejo?
A Shein está para o Varejo assim como o TikTok está para redes sociais. O que isso quer dizer? Em um mercado saturado, uma empresa chinesa, utilizando uma abordagem orientada a dados e foco na geração Z conseguiu não apenas cavar um nicho para si, mas se tornar uma empresa dominante. Você poderia usar essa frase para descrever tanto a Shein quanto a Bytedance, dona do TikTok.
Neste artigo vamos cobrir:
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Shein em 2023
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História
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Vantagens Competitivas
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Críticas
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Brasil
Shein em 2023
O que a Shein conseguiu criar nos últimos 11 anos, em um setor competitivo como de vestuário, é impressionante:
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Popularidade: mais de 75 milhões de usuários cadastrados. Em 2022 o aplicativo da Shein ultrapassou o da Amazon no número de downloads (170 milhões). Seu sucesso é global, sendo o aplicativo mais popular, pela mesma métrica, no Japão, Brasil, Arábia Saudita, México, Israel, Irlanda, Venezuela, Dinamarca, Portugal e mais outros 50 países. Seu website é o número 1 globalmente no setor de vestuário em tráfego, à frente de empresas como Nike, Zara, H&M e Adidas. Também é a marca mais citada no TikTok.
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Velocidade: todos os dias a Shein lista de 5 a 10 mil novos produtos em seu site e aplicativo. Atualmente possui mais de 1 milhão de SKUs, quase 10x maior que outras marcas. As estimativas de mercado são que do momento em que um design é feito, ela consegue ter a peça pronta para venda em menos de 20 dias, enquanto a Zara, pioneira do Fast Fashion, demora 1.5 meses e a média da indústria é de 3 a 6 meses.
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Receitas & Crescimento: de acordo com o site ChinaTalk, que teve acesso a dados da companhia, a Shein cresceu 50% em 2022, chegando a um GMV de $30 bilhões e $22.7 bilhões em receita. A empresa cresceu 50% em 2022 e o acumulado dos últimos 3 anos é de 900%. Para comparação, em termos de GMV, a Amazon cresceu 0% em 2022 e acumulou 56% nos últimos 3 anos.
Fonte: ChinaTalk
Para os próximos anos a empresa possui projeções agressivas. Caso atinja seu plano de $58.5bi de receita em 2025, ela será maior que as gigantes do varejo H&M e Zara somadas. No entanto, hoje a Shein já está na mesma escala que essas companhias.
Fonte: ChinaTalk
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Lucro & Eficiência: uma conclusão errada que muitos leitores podem ter é que esse crescimento veio à custa de uma agressiva queima de caixa. Na verdade, a Shein vem dando lucro nos últimos 4 anos. Ela mantém margens baixas, <10%, pois vem investindo no próprio negócio, especialmente em logística, mas é lucrativa. Em 2021 seu lucro foi de $1.1bi e em 2022 de $700m. Em termos de fundraising, a empresa precisou de apenas $700m para chegar a mais de $22bi de receita anual, um valor pequeno quando comparado com os bilhões de outras empresas de tecnologia. Em 2022/2023 a empresa captou $3.5bi para continuar acelerando o negócio, mas a performance que apresentei até final de 2022 não utilizou essa injeção de capital. Essa eficiência financeira a coloca em vantagem não apenas contra empresas de tecnologia, mas também varejistas.
Temos aqui uma empresa muito relevante globalmente, que vem crescendo de forma acelerada sobre uma grande base. Ela é avaliada atualmente em $66bi. Isso a coloca como o terceiro unicórnio mais valioso do mundo, atrás apenas da Bytedance e SpaceX.
História
Qualquer grande empresa nasce a partir de insights que seus fundadores tiveram. No caso da Shein, eles entenderam que os consumidores dividem os produtos que consomem em duas categorias. Cada uma delas precisa do seu tipo de mercadoria, suprimento, logística, estratégia e experiência de compra.
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Produtos padronizados: baseados em funcionalidade, facilmente comparáveis com outros. O consumidor busca pelo produto. Varejistas competem principalmente em eficiência. Ex: eletrônicos e produtos de cozinha. Ex. de varejistas: Magazine Luiza, Mercado Livre e Amazon.
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Não-padronizados: produtos individualizados, baseado em estética, difíceis de serem comparados. O consumidor não procura o produto, mas sim entrar na loja e “dar uma olhada”. Ganha o varejista que consegue entregar um produto que atende ao gosto individualizado do cliente. O foco é no engajamento. O varejista precisa ter diversidade de oferta, novidades e bom valor pelo preço cobrado. Ex: roupas e decoração. Ex. de varejistas: Amaro.
O varejo não-padronizado é 2.5x maior que o padronizado. Desta categoria, vestuário é um dos mais importantes grupos, com $2 trilhões de consumo global.
Com Amazon, Alibaba, Mercado Livre e outras já dominantes em produtos padronizados, a oportunidade estava em não-padronizados. O problema é que é muito difícil construir uma empresa nesse segmento. É preciso de um grande número de SKUs, lançamentos rápidos, minimizar retorno de peças, gerenciar bem o estoque, logística, mão de obra e etc.
Se pensarmos numa varejista ideal, ela teria infinitas opções de produtos, atualizados a todo momento de acordo com as mudanças de gosto dos consumidores, bons preços e entregues de forma instantânea. É isso que os fundadores da Shein se propuseram a construir.
Fast Fashion
A Inditex, dona da Zara, adotou uma estratégia de produto que descrevo como humilde. No lugar de tentar adivinhar o que os consumidores iriam querer daqui a seis meses, ela foi construída em torno do conceito de velocidade, reagindo rápido a mudanças de gostos, desenvolvendo e produzindo suas peças em curto tempo. O conceito do designer genial perdeu espaço para a pesquisa de mercado. A Zara conseguia levar um produto do design à loja em 5 semanas. A empresa passou a ser menos volátil e mais eficiente. Pioneiro no conceito, seu fundador, Amancio Ortega, tornou-se um dos homens mais ricos do mundo. Empresas como H&M, Forever 21 e Uniqlo seguiram a fórmula.
A principal deficiência destas empresas estava na oferta online, baseada em colocar as vitrines na internet, sem entender as nuances da plataforma desktop e mobile. Enquanto a loja física é agradável, o site dessas empresas é chato. Você vai neles apenas quando sabe o que quer. O resultado era um baixo engajamento. O flanco do online ficou aberto e foi explorado por marcas pequenas e nichadas.
Hoje vivemos num mundo de testes A/B, algoritmos, Big Data, gestão integrada com tecnologia e softwares na nuvem. Utilizando estas ferramentas, seria possível levar o modelo de Fast Fashion para o próximo nível?
A China, beneficiada por uma cultura empreendedora que prioriza engajamento e com alta densidade de clusters de fábricas de roupas, se tornou o lugar perfeito para o surgimento de uma empresa que seria mais que fast, mas sim real-time fashion.
Fonte: Matthew Brennan
Fundação e Crescimento
A Shein foi fundada por Yangtian Xu em 2008, um empreendedor com origem no setor de tecnologia, especializado em SEO e zero experiência em vestuário.
Nos primeiros anos Xu focou na venda de vestidos de casamento, usando sua experiência em SEO para vender online à clientes de outros países. Em 2013 ampliou o foco para roupas femininas. Nesse ano a empresa estava crescendo tão rápido que precisou captar uma rodada de capital.
A Shein fazia o design das roupas, que eram enviados para fabricantes. Estes fornecedores passaram a ser cada vez mais integrados na gestão da Shein. A relação com eles é estratégica para a empresa. A venda era feita diretamente pela própria empresa, via seu site ou aplicativo. Sobre preço, a Shein era incrivelmente barata quando comparada com qualquer outra empresa de vestuário.
Em 2017 a empresa entrou no Oriente Médio, crescendo sua escala. À medida em que foi melhorando a sua eficiência operacional, a Shein foi ganhando tração em novos mercados, como Estados Unidos, Europa, Ásia e Índia. No entanto, nada poderia preparar a empresa para a explosão de demanda na pandemia.
Covid foi um desastre para as grandes varejistas de moda, mas foi um tremendo vento a favor para a Shein. Durante este período sua receita multiplicou 9x. Com mais injeção de capital, a empresa ficou empoderada para ir a novos mercados e dominar o mundo do vestuário.
Fonte: Shein
Vantagem Competitiva
Qual o segredo da Shein? Primeiro não é apenas um, mas sim vários aspectos que a diferenciam da competição. Percorrendo a maioria destes pontos está o fato que a Shein é uma empresa de tecnologia, não de varejo:
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Parceria com Fornecedores: a gestão de supply chain da Shein é excepcional. Ela paga seus fornecedores na data certa e nunca atrasa. Não cobra depósito, taxa de entrada, venda, comissão ou logística. A empresa investe no treinamento e desenvolvimento dos seus parceiros. Seu prazo de pagamento é mais curto, ajudando no capital de giro. A Shein fornece, de graça, softwares para as fábricas e fornecedores de matéria prima. Estes são ERPs de gestão que ajudaram a profissionalizar e digitalizar elos importantes da cadeia e também deu a empresa mais visibilidade sobre o status de cada pedido. Vale mencionar que seus parceiros são obrigados a adotar estes softwares. O que isso traz é uma eficiência por toda a cadeia, que é parcialmente compartilhada com os parceiros. Com >5 mil fornecedores, tanto fábricas quanto de matérias primas, a Shein é o maestro de um enorme ecossistema.
Fonte: Blacklake
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Real-Time-Fashion: Inteligência Artificial e Big Data monitoram likes, views e compras para fazer recomendações de quais produtos deveriam ser produzidos e estoque. Isso permite à Shein lançar mais de 5.000 novos produtos diariamente, antes mesmo que eles sejam produzidos. Do design até as mãos do consumidor, o ciclo todo demora apenas 28 dias, o que diminui o número de dias de estoque e desperdício. Ela pode produzir peças em baixo volume, o que faz com que se ajuste a demanda rapidamente. Um produto pode ser reabastecido em 5 dias. Ela oferece diferentes tamanhos, o que tem apelo com o público plus size. Em resumo: a Shein lança mais modelos, mais rápido e mesmo assim gerencia melhor o capital de giro. É tipo um carro de Fórmula 1 que vai mais vezes no pit stop, gasta mais tempo neles e ainda assim consegue fazer a competição de retardatário.
Fonte: Matthew Brennan
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Marketing: a Shein é mestre no uso de SEO e foi pioneira em diversas estratégias de marketing online, como uso de redes sociais, influencers e nos últimos anos, TikTok. A empresa consegue engajar seus consumidores a criarem conteúdo promovendo a própria empresa. Ela é agressiva, tecnológica e eficiente nos seus gastos de marketing.
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Foco em Engajamento: o app da Shein é otimizado em engajamento. O que isso quer dizer é que é fácil se perder nele e passar horas procurando roupas. Da mesma forma que existe uma parcela das pessoas que vai ao shopping para se distrair, existem pessoas que entram no aplicativo da Shein para diversão. Isso faz com que o volume de vendas aumente.
Fonte: Shein
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Baixo preço pelo valor: as peças da Shein são muito baratas. Apesar da qualidade não ser a melhor, o valor que você recebe pelo produto vale muito a pena. Isso ocorre por uma combinação das eficiências acima, mas também algumas vantagens tributárias como veremos a seguir. Num mundo de Instagram, em que as pessoas preferem comprar várias peças, evitando repetição, o preço foi uma das principais armas da empresa
Críticas
Apesar de ter construído uma formidável empresa de varejo, precisamos reconhecer as diversas críticas e controvérsias. Parece que ela emprestou o lema do Facebook “Mover rápido e quebrar as coisas”, mas aplicado ao mundo real. Isso inevitavelmente leva a erros:
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Plágio: o monitoramento constante das redes sociais se traduz em peças que são muito parecidas, para não dizer iguais, às de outros designers. Reclamações e processos de plágio são recorrentes.
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ESG: apesar da Geração Z afirmar que Sustentabilidade é um dos seus valores fundamentais, na prática poucas pessoas questionam as condições de trabalho das pessoas que produzem suas roupas. A Shein já foi acusada várias vezes de comprar peças de fornecedores que se utilizam de trabalhadores em condições análogas à escravidão. Um documentário inglês dá mais detalhes sobre esse ponto. Suas peças duram menos tempo que as da competição, levando a maior desgaste ambiental. Por fim, dado que a maior parte dos fornecedores vem da China, existe um impacto nas economias locais em que a empresa passa a operar.
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Customer Service: a Shein é ótima de vender, mas seu serviço de atendimento ao consumidor é sofrível e ainda precisa melhorar muito.
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Vantagem tributária: em vários países, como Brasil e Estados Unidos, a Shein consegue vender utilizando uma tributação mais baixa. Nos EUA, uma venda entre países com valor abaixo de $800 dólares não é tributada. Dado que cada venda da Shein é considerada individualmente, ela evita a tributação. Com preços muito mais baixos que a concorrência, a Shein vem tomando mercado de empresas locais no mundo todo, fazendo com que políticos e lobistas peçam por mudanças na lei. Vale mencionar que a “isenção de minis” existe em muitos países no mundo.
Brasil
Fonte: Shein
Com um dos maiores mercados consumidores do mundo, era questão de tempo até que a Shein entrasse no Brasil. Seu crescimento tem sido nada menos que espantoso.
A gestora de investimentos Aster Capital, amiga do bsb, realizou um estudo sobre a Shein, mostrando que ela teve GMV de R$7,1 bilhões em 2022. Isso é maior que as operações online de Lojas Renner, Grupo Soma, Arezzo, Riachuelo e C&A somadas. Também é maior que Shopee, Dafiti e Magazine Luiza. Com uma experiência de usuário diferente dos outros aplicativos e preços incrivelmente baixos, a empresa vem penetrando não apenas a clientela classe C, mas por todo o espectro social.
Os incumbentes começaram a fazer lobby para que o governo dificultasse as operações da empresa. A Shein fez o mesmo. Não é meu papel julgar os méritos de cada lado, mas uma coisa é preciso admitir: Tratar a Shein como uma empresa cujas únicas vantagens são mão-de-obra barata e arbitragem fiscal é uma super simplificação que vai custar caro aos concorrentes. A maioria das empresas brasileiras não me parecem prontas para competir com a Shein. O leitor Carlos Pereira compartilhou esse gráfico de downloads dos aplicativos de varejistas no Brasil e é impressionante a dominação da Shein (linha azul). Todos os outros estão espremidos embaixo.
Em junho foi anunciado que a Shein já possui >150 fábricas têxteis que vão trabalhar no seu modelo, com meta de chegar a mais de 2.000 nos próximos três anos. Como diria um especialista da indústria: “A Shein está dominando o Brás”. Para liderar os esforços institucionais a empresa recrutou Marcelo Claure, ex- número 2 do Softbank e ex-líder do fundo da empresa para América Latina.
O Futuro do Varejo
É difícil não imaginar um futuro próspero para a Shein. A empresa entrou num nicho específico, mulheres da Geração Z, vendendo produtos baratos. Existem muitas opcionalidades. (i) Aumentar o preço das peças atuais; (ii) Entrar em novas categorias; (iii) Criação de marketplace -> lembrando que a maior parte do GMV da Amazon vem de 3P e 100% do GMV do Mercado Livre; (iv) Serviços Financeiros.
A tecnologia de gestão que a empresa desenvolveu globalmente é um ativo difícil de ser copiado. A Shein tem muitas das principais fábricas trabalhando em exclusividade para ela. Por fim, sua habilidade de captar recursos, também é uma vantagem.
No entanto, num mundo em que o risco geopolítico é cada vez maior, a Shein pode vir a enfrentar as desvantagens de ser chinesa. É possível imaginar um cenário próximo em que a desglobalização comece pelo setor de vestuário. A Índia simplificou a questão e simplesmente baniu a empresa de operar no país.
O que nós brasileiros faremos tendo em vista que a tecnologia está disruptando algumas das nossas principais empresas é algo difícil de se prever, mas com certeza temos muito a aprender com a Shein. Aqui no bsb vamos continuar desenvolvendo conteúdo e em breve novas iniciativas para ajudar o Brasil a ser competitivo.
Grande abraço,
Edu
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