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Olá, pessoal! Após um hiato de duas semanas sem publicar artigos, retorno energizado de uma visita ao Vale do Silício. Muitas temas para apresentar a vocês: Inteligência Artificial, Realidade Virtual, Veículos Autônomos, Biotecnologia, Blockchains e, obviamente a Engenharia Espacial.
Este texto é o segundo de uma série de três artigos sobre o tema. O primeiro ofereceu uma visão geral do setor. Hoje, farei uma análise da empresa que catalisou seu crescimento: a SpaceX. Com novas informações sobre a espaçonave Starship animando o mercado, este é um momento propício para reavaliar a empresa.
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Se tiver apenas um minuto, segue o resumo:
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A SpaceX tem uma missão grandiosa, mas é guiada por uma métrica simples: diminuir o custo de transporte para o Espaço. Essa métrica faz parte de uma estratégia elegante de dominação e expansão de mercado
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O custo de transporte do Falcon 9 da SpaceX é 23x mais econômico que o ônibus espacial desenvolvido pelos incumbentes e pela própria NASA
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Seu desenvolvimento de produto é inteligente. Foguetes criados para a NASA, posteriormente atendem o setor privado. Ela possui uma mentalidade de startup, com testes diários e iterações rápidas
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A espaçonave Starship, a mais recente inovação da empresa, promete revolucionar a exploração espacial, indicando uma mudança de paradigma no setor
DISCLAIMER: durante quatro anos, atuei como diretor de investimentos na Capricorn, um fundo acionista da SpaceX. Este texto baseia-se no meu conhecimento sobre a empresa, utilizando exclusivamente informações de domínio público.
A Transportadora Espacial
Fundada por Elon Musk em 2002, a Space Exploration Technologies Corp (“SpaceX“) é uma empresa de transportes e serviços espaciais que faz o design, fabricação e operação de foguetes, naves espaciais e satélites.
A SpaceX entrou para a história ao desenvolver o primeiro foguete privado a alcançar órbita usando propulsor líquido (Falcon 1, em 2008). Também foi a primeira companhia a desenvolver uma nave capaz de se acoplar na Estação Espacial Internacional (Dragon, em 2012). Adicionalmente, foi a primeira empresa a desenvolver um serviço de transporte de tripulações para o Espaço.
Na linha de seu fundador, a SpaceX é uma empresa com grandes ambições. Sua missão é uma das mais ousadas já vistas: Transformar a Humanidade em uma espécie multiplanetária.
Sede da SpaceX
Este objetivo reflete o compromisso da empresa em avançar as fronteiras do conhecimento e da tecnologia, visando desenvolver a infraestrutura necessária para sustentar a vida humana em Marte. Tal missão é impulsionada por uma crença: a longo prazo, a sobrevivência da humanidade dependerá da capacidade de colonizar outros planetas.
Apesar de sua inspiradora visão de futuro, a gestão é pragmática. Toda a empresa está alinhada em otimizar uma métrica: o custo de transporte para o Espaço. Inovações, produtos ou processos são continuamente revistos e ajustados para diminuir o custo por quilo de carga transportada.
A SpaceX cultiva uma mentalidade de startup e de primeiros princípios, caracterizada por testes rápidos, iteração contínua de produtos e eliminação de componentes supérfluos. Ela também se beneficia de um modelo de integração vertical, construindo seus foguetes e naves espaciais “in-house”.
Dentre suas estratégias de redução de custos, a reutilização de foguetes se destaca como a mais significativa. Relançar o mesmo foguete reduzir o custo de lançamento em mais de 65% e ser até 30x mais econômico, considerando todos os custos envolvidos.
Sua trajetória financeira também é impressionante. A SpaceX fez US$2.3 bilhões de receita em 2021, US$4.6bi em 2022 e US$9bi em 2023. As projeções para 2024 são de US$15bi, com o Starlink tornando-se a maior divisão da companhia.
Uma Empresa de Foguetes?
Desde jovem, Musk foi ávido leitor de ficções científicas. “Fundação”, a clássica série de livros de Isaac Asimov, é uma de suas inspirações. Para Musk, os propósitos mais nobres na vida são:
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Prolongar a duração da civilização humana
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Minimizar a probabilidade de períodos sombrios
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Caso algum ocorra, reduzir sua duração
Esses propósitos são diretamente inspirados por Asimov.
Inicialmente, Musk queria comprar um foguete russo para enviar a Marte, mas o governo local recusou-se a vender-lhe um. Isso o levou a fundar sua própria empresa para construir foguetes do zero.
Uma das suas primeiras contratações foi Gwynne Shotwell. Executiva com ampla experiência em vendas para o Governo Americano, ela começou como COO e depois virou Presidente da empresa. Quem está com ela na foto abaixo? Este que vos escreve.
Shotwell e Edu
Ajudinha do Governo
A parceria da SpaceX com a NASA é um marco na história exploração espacial. Mais que isso, é um exemplo do potencial de Parcerias Público-Privada. Como discutido no artigo anterior, a administração da NASA estava frustrada com a falta de competição na indústria espacial, aliada à baixa qualidade e alto custo dos foguetes. Essa situação era causada pelos contratos de margem-garantida e pela posição duopolista da Lockheed Martin e Boeing. As duas empresas haviam formado uma Joint Venture, monopolizando a venda de foguetes nos Estados Unidos.
Em 2006, a SpaceX ganhou um contrato no âmbito do programa Commercial Orbital Transportation Services da NASA. O objetivo desse programa era fomentar o desenvolvimento de novos veículos de transporte para a Estação Espacial Internacional (ISS).
A SpaceX recebeu da NASA, a fundo perdido, US$278 milhões. Com estes recursos, a empresa desenvolveu a cápsula Dragon e o foguete Falcon 9. Ambos foram projetados para transportar carga para a ISS. Em 2010, já estavam em operação.
Dragon acoplando na ISS
A colaboração evoluiu com o programa Commercial Resupply Services, permitindo que a SpaceX iniciasse voos regulares de reabastecimento para a ISS com a cápsula Dragon a partir de 2012. Esse programa existe até hoje.
Em 2014, a SpaceX entrou em uma nova fase de cooperação com a NASA ao ser selecionada para o Programa de Tripulação Comercial, com o objetivo de desenvolver sistemas de transporte de tripulação seguros, confiáveis e econômicos para a ISS.
Após anos de desenvolvimento, em maio de 2020, a SpaceX realizou seu primeiro voo tripulado, marcando o retorno do lançamento de astronautas do solo americano desde 2011, bem como a primeira vez que uma empresa privada transportou seres humanos para a órbita.
Astronautas a bordo da Falcon Heavy
Desde então, a SpaceX tem realizado várias missões tripuladas para a NASA, consolidando sua posição como um parceiro indispensável na jornada de exploração espacial.
Financiamento
A SpaceX exemplifica o tipo ideal de empresa para Venture Capital. Possui uma missão grandiosa. Atua em um mercado grande e através do seu sucesso, consegue expandir esse mesmo mercado.
Seus competidores são incumbentes lentos, com altas margens e produtos de baixa qualidade. Por outro lado, seu produto é inovador e superior, estabelecendo uma vantagem competitiva. Sua tecnologia proprietária é outra barreira de entrada.
Por fim, é liderada por um experiente empreendedor. É o casamento perfeito, afinal construir foguetes custa muito dinheiro.
A lógica estratégica da SpaceX é elegante. A empresa é 100% orientada a diminuir o custo de lançamento por quilo em órbita. Sempre que ela consegue diminuir esse custo, ela o repassa aos clientes. Ela não faz isso porque é “boazinha”, mas por três motivos:
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Consegue tomar mercado dos competidores, diminuindo suas capacidades de crescimento
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Ela aumenta a vantagem sobre os incumbentes e potenciais novos entrantes, que precisam oferecer transporte a um custo menor, que atualmente apenas ela consegue fazer devido a sua escala, tecnologia e expertise
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Com custo de lançamento mais baixo, ela consegue expandir o seu mercado potencial. Quanto mais barato for o lançamento de cargas ao Espaço, novas atividades econômicas ficam viáveis. E quem estas novas empresas espaciais vão querer contratar? A SpaceX
Nos primeiros anos, Musk financiou a empresa com recursos próprios, oriundos da venda de sua participação no PayPal. Ele investiu US$100 milhões no desenvolvimento do Falcon 1. A primeira rodada de financiamento externo aconteceu em 2008, liderado pelo Founders Fund.
Não foi um investimento seguro. Depois do primeiro lançamento de sucesso em 2008, a empresa teve três lançamentos seguidos que explodiram e quase foi à falência. O momento transformador foi o primeiro contrato com a NASA.
Explosão de um dos foguetes da SpaceX
A SpaceX é atualmente avaliada em US$180 bilhões. É a segunda empresa privada de tecnologia mais valiosa do mundo. Perde apenas para a Bytedance, dona do TikTok.
Produtos e Modelo de Negócios
A SpaceX possui três linhas de negócio: Lançamento, Voos Tripulados e Starlink.
1) Lançamentos
Ela é líder isolada no serviço de transporte de cargas ao espaço, sendo pioneira no uso de foguetes reutilizáveis. Com mais de 300 lançamentos bem-sucedidos, a SpaceX não atende apenas a NASA, seu principal cliente, mas também uma vasta gama de empresas privadas, incluindo o transporte de satélites e constelações de microsatélites.
Os clientes têm à disposição diversas opções de serviço, incluindo lançamentos exclusivos, caronas em lançamentos já programados, missões com tripulações e missões de reabastecimento da ISS. A SpaceX opera com dois tipos de foguetes:
Falcon 9
O primeiro foguete de classe orbital capaz de ser reutilizado, o Falcon 9 trouxe uma queda agressiva nos custos de lançamentos, marcando um avanço tecnológico significativo na indústria espacial.
Até abril de 2022, a SpaceX cobrava US$62 milhões por lançamento do Falcon 9, ou US$2.8 mil dólares por quilo de carga útil em órbita. Em contraste, o programa de ônibus espacial da NASA custava US$1.6bi por lançamento, ou US$66 mil dólares por quilo de carga útil.
O custo de transporte do Falcon 9 é 23 vezes mais econômico que o do ônibus espacial.
Lançamento Falcon 9
Falcon Heavy
O Falcon Heavy, capaz de transportar cargas mais pesadas, incorpora três núcleos de motor reutilizáveis do Falcon 9, totalizando 27 motores Merlin.
Falcon Heavy
2) Voos Tripulados
A SpaceX possui contratos com a NASA para levar tripulações para a ISS e também já vendeu voos para clientes privados, incluindo turismo espacial. O documentário da Netflix sobre a primeira missão que conta apenas com civis é um bom exemplo.
3) Starlink
O Starlink, serviço de acesso à Internet de alta velocidade, baixa latência e cobertura global, tornou-se a maior linha de receita da empresa. Com uma constelação planejada de até 42.000 satélites, o Starlink visa prover internet em áreas rurais e remotas, já contando com mais de 2,3 milhões de clientes. A SpaceX planeja usar os lucros do Starlink para financiar o desenvolvimento de novos foguetes.
Antena da Starlink
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Starship, o Foguete que vai mudar tudo
O Starship, nova espaçonave da SpaceX, está sendo projetada para ser totalmente reutilizável, reduzindo drasticamente os custos de transporte espacial e permitindo o transporte de grandes volumes e até 100 passageiros por lançamento. Vale lembrar que até hoje, menos de 700 pessoas foram até o Espaço.
A espaçonave é feita de alço inoxidável, utiliza metano e oxigênio como combustíveis, tem 121 metros de altura e nove metros de diâmetro. Internamente pode transportar 1.000 metros cúbicos, ou seja, praticamente uma Estação Espacial inteira por lançamento.
Starship
Este foguete representa a visão de Elon Musk de tornar a vida multiplanetária uma realidade, com a capacidade de transportar infraestrutura e passageiros para a Lua, Marte e além. A Starship será a espinha dorsal da SpaceX e do transporte humano espacial.
O desenvolvimento preliminar ocorreu entre 2012 e 2016. Desde 2019, a empresa vem realizando testes.
Reutilizável e Acessível
Ao atingir a meta de uma espaçonave totalmente reutilizável, com mínima ou nenhuma necessidade de reposição de peças entre os voos, a SpaceX tem o potencial de revolucionar o transporte espacial, tornando-o mais semelhante à aviação comercial.
Supondo que uma Starship realize 100 voos antes de ser aposentada, o custo de enviar cargas para o espaço poderia cair drasticamente dos atuais US$2.500 a US$3.000 por quilo para apenas US$500 a US$200. Isso considerando que os custos de pesquisa e desenvolvimento da SpaceX sejam plenamente amortizados.
Protótipos do Starship
Fabricação em Escala
A produção em massa de Starships visa reduzir custos significativamente, permitindo a construção e operação paralela de dezenas de espaçonaves. A empresa está atualmente construindo uma Starfactory no Texas para realizar essa produção em escala.
Starship factory
Implicações da Starship
Com a capacidade de realizar até três lançamentos semanais, uma única Starship poderia transportar mais carga em um ano do que todas as missões espaciais combinadas na história.
Esta capacidade revolucionária tem amplas implicações, especialmente considerando que muitos projetos espaciais enfrentam restrições severas devido aos altos custos de lançamento, além de restrições de peso e volume. A redução desses custos poderia significar uma mudança de paradigma para a indústria espacial.
Simulação da Starship
Por exemplo:
O Telescópio Espacial James Webb (JWST) tinha um orçamento inicial de US$500 milhões em 1997. No fim, custou US$10 bilhões.
Por que isso aconteceu?
O problema é que por causa de restrições de volume e peso, os engenheiros precisam redesenhar o telescópio inúmeras vezes. Todos os componentes precisam ser customizados e feitos de materiais nobres, numa escala menor que o padrão. O resultado final é um satélite complexo, caro e feito sob medida.
Se o custo de transporte for barato e seja possível transportar grandes volumes. O satélite terá um preço final mais próximo do orçado.
Consequências da Popularização do Espaço
A Starship tem o potencial de democratizar o acesso ao espaço, trazendo consequências como:
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Melhoria e redução do custo de serviços de internet via satélite
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Turismo espacial mais acessível
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Exploração viável da Lua e de Marte
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Capacidade de sonhar com viagens “Ao Infinito e Além”
Uma das primeiras missões programadas no Starship é levar o bilionário japonês Yusaku Maezawa e uma pequena tripulação em uma viagem ao redor da Lua.
Quem já está vendo o potencial do Starship são os próprios funcionários da SpaceX. Nos últimos anos, várias pessoas oriundas da empresa vêm empreendedor na economia espacial.
Testes e Desenvolvimento
O primeiro voo de teste do Starship ocorreu em abril/2023. Os foguetes subiram 15 quilômetros antes de cair e se autodestruírem por causa de falha múltipla dos motores. Os dados coletados do voo permitiram à equipe fazer mais de 1.000 mudanças na espaçonave. O segundo voo aconteceu em novembro de 2023. Outro fracasso. O próximo teste será realizado em março/2024.
Fracassos nunca desestimularam Musk. Projeto atrás de projeto, críticos foram céticos que a empresa não iria conseguir entregar o que prometeu. No final, quem riu por último foi a equipe da SpaceX.
Imagem do último teste do Starship
E daí?
A SpaceX é um exemplo de empreendedorismo inspirador. É prova cabal que não há setor imune a melhorias disruptivas. Ela possui uma missão grandiosa, mas é guiada por uma métrica simples: diminuir o custo de transporte para o Espaço. Essa métrica alinha desde o desenvolvimento de produtos, até a estratégia comercial.
A empresa não apenas desafia o status quo, mas também pavimenta o caminho para uma nova era de exploração da economia espacial, com a Starship no centro desse avanço. A SpaceX está construindo não apenas veículos de lançamento, mas também a infraestrutura para um ecossistema espacial emergente.
Grande abraço,
Edu
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