O bsb é uma newsletter semanal sobre a arte e ciência de construir e investir em empresas de tecnologia. Para receber nossos e-mails, basta clicar abaixo:

Olá! Ultrapassamos a marca de 10 mil leitores do Bits, Stocks e Blocks! 🎉🎉🎉

Se você tem apenas um minuto, aqui está o que os investidores, operadores e fundadores devem saber sobre os problemas do Venture Capital:


  • Dogmatismo dando falsa sensação de segurança
  • Mentalidade de Rebanho (Herd Mentality)
  • Desalinhamento de Interesses
  • Vieses & Falta de Diversidade
  • Qual a solução? Disruptar o Venture Capital

Antes de iniciar esse artigo, quero deixar claro que as críticas e sugestões não são direcionadas a um fundo/caso/empresa especifica, mas sim a indústria de investimentos em tecnologia como um todo. Também quero dizer que acredito que mesmo com problemas, o impacto do Venture Capital é positivo na sociedade. O objetivo desse artigo é trazer pontos de melhora e na semana que vem trarei exemplos de fundos que estão evoluindo o modelo de VC, eliminando estes pontos.

Em 2011 Marc Andreessen escreveu “Why Software is eating the world”. Ele previa que as startups iriam disruptar diversas indústrias. Esta afirmação se baseava principalmente em duas novas plataformas computacionais: Nuvem e Smartphones.

Poucas previsões foram tão certeiras. Software-as-a-Service provou-se uma das melhores formas de difusão de conhecimento da humanidade e a cada dia aumenta sua participação no PIB Global. Comércio e Serviços foram revolucionados pelo smartphone. Software de fato comeu o mundo. O efeito econômico e social desse movimento foi profundo.

O impacto na indústria de investimentos em tecnologia, o Venture Capital (VC), também foi relevante. Nos Estados Unidos, em 2011 a indústria investiu US$ 28Bi. Em 2021 esse número foi de US$330Bi, 11.6x maior. Estou falando apenas do investimento realizados no ano. Existe ainda um estoque de >10 anos de capital que foi multiplicado.

VC tornou-se parte fundamental do portfolio dos principais investidores institucionais do mundo. Vide a evolução da alocação de ativos do Endowment de Yale:

Explaining the Yale Investment Model’s Success

Venture Capital vem moldando a nossa sociedade. Textos argumentando seu impacto positivo existem aos montes. Investimento em inovação é chave para o futuro de um país e VC é a peça mais importante.

No entanto, quero falar aqui dos problemas do Venture Capital. Alguns persistem a anos, outros são decorrência do crescimento exponencial da indústria. Apesar de acreditar que o saldo líquido é positivo ­- e faço investimentos em tecnologia hoje em dia diga-se de passagem – seus problemas são pouco comentados.

O Início da Indústria

O nascimento do Vale do Silício e VC merece um artigo próprio no futuro. Recomendo o documentário Something Ventured, que dá destaque aos pioneiros como os “Oito Traidores”, Arthur Rock, Don Valentine (fundador da Sequoia), dentre outros.

Para resumir: a criação da indústria de investimento de risco está ligado ao desenvolvimento dos semicondutores, levando a diminuição drástica do custo do poder computacional. Fazer semicondutores precisava de múltiplos expertises que apenas poucas pessoas conheciam e pouquíssimas estas que trabalhavam juntas. Propriedade Intelectual (PI) era um componente chave. As pessoas que estavam desenvolvendo esta tecnologia tinham um enorme valor.

Desta forma, a composição acionaria precisaria ser representativa do valor criado. Menos valor ao capex e capacidade produtiva, mais valor à tecnologia, time e PI. Em adicional, o ineditismo destas tecnologias exigia uma maior propensão a tomada de risco. Tínhamos então uma opção de investimento em que o provedor de capital tinha maior risco de perder tudo e uma participação menor no negócio. Como equacionar isso? Com a possibilidade que se a empresa desse certo, sua geração de valor seria grande pois (i) seus mercados potenciais eram enormes e (ii) a rentabilidade das companhias iriam navegar nos ganhos de produtividade computacional.

Os primeiros fundos nasceram por investidores que também eram empreendedores. Eles apostaram suas carreiras em uma modalidade de investimento não existente. Pensem nisso. Não existia nenhum playbook que podiam copiar. Foi assim que as “melhores práticas” nasceram. O ótimo livro The Power Law conta em detalhes o nascimento de diversas empresas de VC.

Depois de ter morado em Palo Alto, feito Stanford, trabalhado no fundo de um empreendedor de tecnologia nos Estados Unidos e investir em startups, fui estudar as raízes da indústria. Eu tenho uma hipótese sobre porque VC opera do jeito que opera:

Investimento em Tecnologia é tão incerto que ninguém tem certeza do que está fazendo. A pouca certeza que temos é exarcebada”.

Isso nos leva ao primeiro problema:

Dogmatismo dando falsa sensação de segurança

É difícil de aceitar para quem trabalha com empresas de tecnologia que é uma atividade de alto risco. A probabilidade que a empreitada em que você está dê errado é muito alta. Uma das maneiras com que conseguimos lidar com isso é nos apegarmos a práticas vistas como “benchmarks” e nelas criar uma falsa sensação de segurança.

Exemplo: quando um funcionário sênior entra numa startup, é comum receber um pacote de opções de ações com prazo de 4 anos. Nas décadas de 80/90, as startups demoravam na mediana 4 anos até o IPO, então esse prazo fazia sentido.

Vale lembrar que a razão de ser 4 anos é por causa de uma regra de planejamento tributário de planos de pensões americanos. O problema é que hoje a mediana de tempo para um exit é de 8 anos. Sendo assim, faz sentido o vesting de 4?

Pode parecer um assunto pequeno, mas não é. Para termos uma sociedade com menos desigualdade, precisamos criar mecanismos em que as pessoas criem equity. Opções de ações são ótimas para isso. Não faz sentido utilizar um prazo aleatório apenas porque outros fizeram. Não estamos assim tirando do mercado de startups pessoas que tem mais necessidade de liquidez? Startup é visto por muitos como uma opção que apenas quem vem de família com grana ou fez pé de meia podem tentar…

E se a empresa for um projeto científico cuja viabilidade for comprovada em 2 anos? ou 10 anos?

Este é um exemplo de “boa prática” antiquada, mas posso passar o ano escrevendo artigos dando outros exemplos. Boas práticas precisam passar pelo crivo da lógica dos primeiros princípios.

Isso me lembra da história (verdadeira) que o tamanho da bitola de trens é derivado da distância que acomodasse dois cavalos, pois esse era o padrão lá na época do Império Romano. Está se sentindo apertado no metro? Culpe o Júlio Cesar (Não o goleiro do 7×1, esse culpamos por outros motivos).

Mentalidade de Rebanho (Herd Mentality)

Na incerteza e insegurança que é o investimento em tecnologia, um segundo vício é a busca por segurança nas teses que investidores renomados fizeram.

Algumas tendências que já foram foco de VCs no passado recente: Green Tech, Micro-mobilidade, Creator Economy, Web3 & Metaverso, Consolidação de pequenas empresas de eCommerce, etc.

Hoje estamos no hype de Inteligência Artificial.

Quero deixar bem claro que eu respeito muito quem trabalha ou trabalhou em projetos e empresas ligadas a estas tendências. Construir empresas é algo muito difícil, investir nelas também não é fácil. Para cada uma delas existem milhares de pessoas trabalhando duro. O ponto aqui é como estas tendências entram e saem de moda rapidamente.

A psicologia do investidor que flutua de uma coisa quente para outra merece ser estudada. Os investidores que adaptam a sua personalidade ao que está quente estão participando de um ritual que é uma das coisas menos legais da indústria.

A indústria de VC precisa de mais pessoas que pensam por si só. Não que pensam igual a todos ou tomam o ponto de vista oposto para ser controverso.

E por que isso é importante? Porque o valor esta quando dizemos algo que ninguém disse ainda. É como minha mãe me ensinou, “Filho, você tem que ver o que todo mundo vê e pensar o que ninguém pensou”. Se você não quer ouvir minha mãe (às vezes eu também não ouço ela, e me dou mal), que tal ouvir o Paul Graham, fundador do YCombinator que afirmou algo muito parecido.

Desalinhamento de Interesses

Me impressiona a quantidade de pessoas que não entendem os incentivos dos fundos de VC.

Os fundos captam dinheiro com investidores, institucionais (ex: fundos de pensão) ou indivíduos (ex: clientes de Private Bank). Eles cobram uma taxa de administração, que varia de 1,5-2,5% ao ano. Isso é receita recorrente. Caso consigam entregar um bom retorno, podem cobrar uma taxa de performance, 20 a 30% sobre algum benchmark.

Até aqui tudo bem. O ponto é prazo. Um fundo de VC tem prazo de 8 a 12 anos. Ou seja, ele está incentivado a vender a participação na empresa, com muito lucro, neste prazo. Se a sua idéia precisar de 10 anos para começar a mostrar resultado, ela não funciona pro VC tradicional.

Outra coisa. Em dois ou três anos o VC vai voltar ao mercado para captar e adoraria mostrar que o último fundo está indo bem. Sendo assim, está incentivado a fazer com que as empresas mostrem uma boa performance rapidamente, por exemplo captando uma nova rodada a um valuation mais alto. Segue a isso pressões como “cresça mais rápido”, “vire únicornio”, “mude sua estrutura jurídica para uma mais VC-friendly”, dentre outros conselhos.

Eu acredito que as pessoas são inerentemente boas, mas também que incentivos desalinhados criam problemas. O fundador está construindo a empresa (em teoria) para a perpetuidade, o investidor para o prazo do fundo. Isso quer dizer que podemos ter duas pessoas inteligentes e bem intencionadas, mas combrigando devido a desalinhamento. Os empreendedores e funcionários de startups precisam entender a seguinte dinâmica:

O cliente do Venture Capital não é o empreendedor. É o investidor.

Isso preciso ficar claro para todos os leitores do bsb.

Kyle Harrison colocou de uma forma direta:

“Construir empresas é o marketing, mas gestão de recursos é o modelo de negócios dos VCs”.

Isso não quer dizer que os VCs não são focados nos fundadores. Muitos são. Mas eu acho que é importante as pessoas entenderem que apesar do marketing que os VCs fazem, as startups em que investem não são o cliente final.

Eu acho que o modelo pode e funciona muito bem em vários casos, mas aqueles em que vi funcionar, tanto o empreendedor quanto o investidor entraram de olhos bem abertos.

Vieses & Falta de Diversidade

Um curso inteiro do 1*tri do MBA em Stanford é inteiramente focado em explicar o que são “bias”, os tais vieses que todos temos. É impossível nos livrarmos deles, mas podemos ficar mais conscientes de quais são e identificar quando estão exercendo influência. Por exemplo, eu sofro de “Similar-to-me”. Se conheço alguém que é da mesma cidade ou estudou na mesma escola que eu, automaticamente fico mais positivo à pessoa. Isso não é um problema pois sou consciente disso.

No caso dos VCs, de novo pela incerteza, existem vieses que viraram sabedoria comum na indústria, mesmo quando existem pesquisas acadêmicas que as provem erradas:

1) Um estudo da Universidade de Chicago Booth School of Business descobriu que fundos de VC colocam muita ênfase no background pessoal (ex: onde estudou, já morou fora, etc) e atribuições físicas (ex: gênero) e menos em aspectos pertinentes ao negócios, como pesquisa sobre o setor. Os pesquisadores usaram análise estatística avançada e machine learnings para mostrar que metade dos investimentos de venture capital em early-stage não eram apenas ruins, mas eram “previsivelmente ruins”, com relevância estatística.

2) Outro estudo mostrou que os VCs se utilizam muito de estereótipos, investindo mais em homens com experiencia em empresas de tecnologia e alto nível educacional, quando os dados não comprovam que esta é a estratégia vencedora.

3) E outro mostrou que os fundadores de fundadores de primeira viagem em vários casos vão melhor que os glorificados “empreendedores seriais”.

Todos estes exemplos vão atuando como juros compostos e o resultado final é um ecossistema com pouquíssima diversidade.

A Indústria Escalou Demais   

A indústria de gestão de recursos está no negócio de multiplicar a taxa de administração pelo maior valor possível. Pode ser gestão de ações, renda fixa, FII, PE, VC, RE, Multimercado. Com algumas poucas exceções de estratégias de nicho, a maioria dos fundos pensa parecido.

Como mencionei acima, o business de Venture Capital nos Estados Unidos multiplicou por 11.6x em dez anos. Acredito que no resto do mundo foi por um valor maior, dado que a base de comparação é mais baixa. Sendo assim, a maioria dos gestores de VC com mais de dez anos de experiencia, especialmente fora dos Estados Unidos, provavelmente não tem experiência gerindo um fundo do tamanho que gere atualmente.

Existem mais de 30 gestoras de VC globais com fundos acima de US$ 1Bi. Várias gestoras que começaram a colher sucessos de seus primeiros fundos decidiram escalar. Por que? Porque assim elas têm um maior potencial de ganho financeiro para seus sócios. Isso não é um problema em si, apenas precisamos que isso fique claro. Se a gestora esta mandando bem com um fundo de US$100M e três anos depois lançou um de US$500M, não dá pra dizer que isso é apenas porque o mercado esta 5x maior, não é assim que funciona.

Honestamente eu não via muito problema nisso, até achava bom que com mais orçamento estas empresas, que em vários casos são uma ou duas pessoas apenas, se tornassem de fato organizações. O problema existe em duas dimensões:

1) Existem vários estudos que mostram como a performance é muito mais difícil de ser obtida a medida que um fundo cresce muito em tamanho. Gostei desse da Santé Ventures, old but good.

2) Para alguns grandes fundos, uma startup do portfólio virar um unicórnio não resolve a performance. Para retornar de 3 a 5x, os super fundos precisam de centenas de milhões de dólares investidos em uma companhia que valha acima de US$50 bilhões. Eu olhei ontem na Bloomberg e tem menos de 50 empresas de tecnologia listadas com esse valor. Nenhuma na América Latina, que tem apenas duas acima de US$ 10Bi, Mercado Livre e NuBank. Isso cria um risco de performance e potencialmente de “entupir” as empresas de portfolio de dinheiro, o que também pode levar a problemas.

Qual a solução? Disruptar o Venture Capital

O modelo de VC atual é rígido demais e funciona para um tipo de empresa: a startup fundada por dois jovens homens que estudaram numa universidade top de linha e com uma idéia para dominar um mercado em um período de 6 a 8 anos e fazer IPO na Nasdaq. O problema é que a maioria das empresas não encaixam nesse molde. Se a maior parte dos VCs se fica apenas nesse segmento, VC pode ser disruptado com formatos diferentes. Tem muita gente boa tentando, até mesmo aqui no Brasil.

Fundos com capital permanente, crédito, plataformas que democratizam acesso, Solo GPs, CVCs, fundos que operam como empresas, holdings. Este será o tema do artigo da semana que vem.😎

Grande abraço,

Edu

DISCLAIMER: essa newsletter não é recomendação de investimentos. Seu propósito é puramente de entretenimento e não constitui aconselhamento financeiro ou solicitação para comprar ou vender qualquer ativo. Faça a sua própria pesquisa. Todas as opiniões e visões são pessoais do próprio autor e não constituem a visão institucional de nenhuma empresa da qual ele seja sócio, colaborador ou investidor.